Mirella D'Elia
postado em 16/07/2009 08:00
O cearense José Ozanan Chaves Araújo tem 58 anos. Aos 19, escolheu a capital federal para ganhar a vida. Deixou para trás a pequena Monsenhor Tabosa, a 330km de Fortaleza, e desembarcou de mala e cuia em Brasília em 1970. Deu duro e, depois de sete anos, mandou buscar pai, mãe e quatro irmãos. De jovem garçom, hoje é ma;tre de um dos restaurantes mais tradicionais da cidade, frequentado por políticos do governo e da oposição, empresários e jornalistas. Com 35 anos de carreira ; 31 deles no Piantella ;, estava se preparando para aproveitar as férias de setembro e dar entrada na aposentadoria. Agora, vai pensar duas vezes antes de guardar a bandeja.O ma;tre chega a faturar R$ 4 mil por mês com a soma do salário às gorjetas que recebe. Mas, como é comum no ramo, se aposentaria com pouco mais de R$ 800, cerca de dois salários mínimos ; valor que consta na sua carteira de trabalho, segundo ele. Por isso, antes de largar o serviço, ainda tem esperança de ver o Congresso Nacional aprovar um projeto de lei para regulamentar a taxa de serviço de 10%, incorporando-a ao salário. Isso aumentaria a base de cálculo para a aposentadoria.
[SAIBAMAIS];Quero ver se sobra um pouquinho para mim;, disse José Ozanan. ;Quase todos os restaurantes deixam de passar para a carteira de trabalho o que o profissional realmente ganha. É um salário-teto, mas, quando chega a hora da aposentadoria, ele se aposenta mesmo é com o salário mínimo. Na maioria das vezes, o dinheiro não dá nem para comprar o remédio da pressão. Aprovar o projeto seria um avanço;, completou.
Como ele, 8 milhões de ma;tres, garçons, cozinheiros e empregados de hotéis, bares e restaurantes de todo o país ; 100 mil no DF ; estão de olho em um naco do bilionário mercado que movimenta quase R$ 40 bilhões por ano, já descontados os impostos (veja quadro). O cearense é personagem da guerra no setor, que pôs em lados opostos do front trabalhadores e empresários, estes contrários à aprovação da matéria. No meio do tiroteio está o consumidor(1), que, apesar de não ser obrigado por lei, paga pelo serviço quando é bem atendido.
Nos últimos dois dias, o Correio percorreu bares e restaurantes de Brasília para conferir como está a temperatura do debate. Nas mesas, foi possível ouvir histórias boas e ruins: do garçom satisfeito com o dono do lugar, que repassa a gorjeta para todo mundo, ao empregado que diz que o dinheiro não chega de forma integral. ;Pelo menos aqui os 10% são pagos direitinho, mas tem muito empresário por aí que usa esse dinheiro para pagar água e luz, ;fazer salário; e aumentar o número de funcionários;, comentou um dos garçons do Quitinete, sem saber que estava sendo entrevistado.
1 - COBRANÇA
Não existe lei que obriga o consumidor a pagar a taxa de 10%. Hoje, convenções, acordos ou dissídios coletivos firmados entre empresários e trabalhadores é que autorizam a cobrança. Mas o consumidor só paga se quiser. Mesmo se o PL for aprovado, a vontade do cliente continuará falando mais alto.
; Patrões esperneiam
A polêmica dos 10% chegou à Câmara em 2007 graças a um projeto de lei do deputado Gilmar Machado (PT-MG). Aprovado em caráter terminativo, o PL seguiria para o Senado. Mas o deputado Edinho Bez (PMDB-SC) apresentou requerimento para levar a discussão ao plenário. A pressão veio dos donos de restaurantes. Um dos pontos mais atacados foi a determinação para que os patrões separem 20% do montante arrecadado com a gorjeta para pagar encargos sociais e previdenciários. O restante seria repartido entre os trabalhadores.
Empresários dizem que o setor vai quebrar e ameaçam proibir a gorjeta. ;Ou a empresa fecha ou vai para a informalidade;, reclamou o presidente da Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (FNHRBS), Norton Luiz Lenhart.
Já o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), Moacyr Tesch, desdenhou da ameaça de proibir a gorjeta. ;Eles estão fazendo terrorismo porque não querem pagar imposto;, declarou.