Brasil

Neguinho, o último exilado da ditadura militar, volta depois de 40 anos

postado em 21/07/2009 18:50
Quando ultrapassou nesta terça-feira (21/7) a porta automática da área de desembarque e se viu sozinho diante do batalhão de repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e antigos companheiros de luta e de exílio, o marinheiro Antônio Geraldo da Costa, mais conhecido por Neguinho ou pelo codinome da militância, Tigre, precisou caminhar alguns metros até alguém gritar Viva Neguinho! e ele ser reconhecido. Baixo e franzino, a aparência pelo menos uma década aquém dos seus 75 anos, avançou então ao encontro dos amigos e, com voz emocionada, soltou o verbo: Aqui estamos porque lá estivemos, na luta contra a ditadura, por um país livre e democrático. Uma declaração um tanto épica, que ganharia pouco mais tarde mais conteúdo: Faria tudo de novo, agora com mais experiência. O tudo a que Neguinho se referiu assim que desembarcou, s 16 h no Rio de Janeiro, são as ações de que participou na luta política nos anos 1960, no Rio e em São Paulo. Resgate de presos políticos e assaltos a bancos com mortos levaram-no prisão e s torturas comuns contra inimigos do regime militar, sobretudo no caso de um ex-marinheiro como ele, remanescente da revolta que serviu de estopim para o golpe de 1964. Neguinho foi saudado pelo grupo Amigos de 68 e festejado no aeroporto Tom Jobim como o último exilado brasileiro, que preferiu ficar no exterior após a anistia política de agosto de 1979. Ele vivia desde 1972 na Suécia, sob a identidade de Carlos Juarez de Melo, com a qual obteve nova cidadania, casou-se, teve dois filhos e trabalhou como cozinheiro para frades e auxiliar num asilo de velhos. Por mais de três décadas, viveu sob a falsa identidade que o inibiu de retornar ao Brasil. O velho marinheiro imaginava que, mesmo depois da anistia poderia ser preso pelos assaltos a bancos e, ao mesmo, tempo temia que as autoridades suecas o extraditassem, caso revelasse o nome verdadeiro. O amigo Guilem Rodrigues Silva, também ex-marinheiro, ex-militante e exilado na Suécia desde o começo da década de 1970, foi quem mais o encorajou a regularizar sua situação e retornar legalmente ao Brasil. No aeroporto, em meio ansiedade da espera, Guilem lembrou lances da vida em comum com Neguinho. Eu já vivia em Lund, cidade universitária sueca, em 1972, quando a polícia dinamarquesa me procurou porque três ciganos me haviam citado como contato. Realmente, eu havia recebido 2.500 dólares e comprei as passagens de dois deles, que fugiam do Chile, onde a situação política se deteriorava rapidamente, disse Guilhem. Hoje juiz desembargador na mesma cidade, Guilem foi ao encontro dos fugitivos, desmentiu a condição de ciganos e assumiu plena responsabilidade por eles. Os dois outros resolveram seus casos, e apenas Antônio Geraldo da Costa manteve uma condição complicada de um lado e do outro do mundo. Aos poucos fomos todos convencendo Neguinho a resolver sua situação. O fato de ele ter conseguido a cidadania sueca com nome falso realmente preocupava, mas sua história era verdadeira A perseguição política e as torturas no Brasil não eram invenção", afirmou. "Nos anos 1970, havia muitos brasileiros na Suécia, eu conheci o [Fernando] Gabeira dirigindo metrô por lá. Com a anistia e o tempo, todos foram retornando e só ficamos eu e o Neguinho. Eu porque tenho oito filhos e quatro netos suecos, ele porque tinha o problema do nome falso, um detalhe que só os amigos mais próximos e sua própria família conheciam. Foi, a propósito, uma amiga do exílio, Eliete Ferrer, também ex-militante da esquerda, quem ao voltar para o Brasil foi luta e conseguiu uma segunda via da certidão de nascimento de Neguinho. Foi também o pontapé inicial da sua viagem de volta. Com base na certidão, o advogado Modesto da Silveira, defensor de inúmeras causas durante a ditadura militar, obteve a anistia e a aposentadoria como suboficial da Marinha, há cerca de dois anos. Ao mesmo tempo, Guilem acertou com o advogado Sten de Geer, membro da nobreza sueca, o processo de indulto pelo crime de falsidade ideológica, e Neguinho pôde se livrar das amarras que o impediam de voltar ao Brasil sem sustos. Por isto, em meio s manifestações na sua chegada, ergueu o passaporte brasileiro como troféu. Quero agradecer ao ministro da Justiça, Tarso Genro, por ter mandado uma pessoa daqui para regularizar a minha situação e eu conseguir meu passaporte, disse. Entre os antigos companheiros presentes chegada estavam os presidentes da Unidade de Mobilização Nacional pela Justiça (UNMA), ex-marinheiro José Alípio Ribeiro, e do Movimento Democrático pela Anistia e Cidadania (MODAC), ex-marinheiro Raimundo Porfírio Costa, além do advogado Modesto da Silveira e a amiga Eliete Ferrer, em cuja casa Neguinho ficará hospedado até arrumar um apartamento, como disse Guilem.

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