Brasil

O drama de três famílias que perderam parentes por causa do novo vírus

postado em 02/08/2009 09:49
São Paulo ; A gaúcha Rose Cristina Cárceres Furkin, 36 anos, estava prestes a realizar o maior sonho da vida: ser mãe. Grávida de oito meses, deu à luz Júlia. A pequena Marcela, de 11 anos, vivia um sonho de adolescente: namorava pela primeira vez um coleguinha da escola. O felizardo era um menino de 13 anos, da oitava série. Os dois descobriram que se amavam no Dia dos Namorados. Ricardo César Tini Jecov, 28 anos, também tinha um grande projeto de vida prestes a se realizar. Estava marcada para dezembro uma cirurgia para redução de estômago que iria transformá-lo em um novo homem.

[SAIBAMAIS]Nenhum deles pôde concretizar seus planos por causa de uma doença que assusta o país e já matou, segundo o Ministério da Saúde, 76 brasileiros ; entre eles, Rose, Marcela e Ricardo. O Correio reconstitui os últimos momentos de vida dos três.

O cinegrafista Waldir dos Santos Couto, 48 anos, tem nos braços a maior lembrança da mulher, Rose, morta há 17 dias num leito de UTI da Santa Casa de Uruguaiana, a 700km de Porto Alegre. Rose estava grávida de oito meses quando morreu, respirando com ajuda de aparelhos. Assim que perdeu os primeiros sinais vitais, os médicos resolveram fazer uma cesariana para salvar o bebê. O procedimento começou com a mãe já falecida, o que fez com que a pequena Júlia nascesse debilitada. Depois de duas semanas na UTI, a filha de Rose e Waldir se tornou símbolo da luta contra essa doença misteriosa. ;O que mais aperta o meu coração é saber que a minha filha nasceu no mesmo dia que a mãe dela morreu;, diz Waldir.

Ele já perdeu a conta de quantas vezes chora ao dia a falta da mulher. Um de seus últimos contatos foi via mensagem de celular ; ela estava no leito isolado da Santa Casa no dia do seu aniversário, 14 de julho. Como Rose não podia receber visitas, Waldir enviou-lhe um torpedo dizendo: ;Feliz aniversário. Força, meu amor. Estamos todos torcendo por ti;. Ela respondeu imediatamente, de forma sucinta: ;Eu te amo;. No dia seguinte, deixou o isolamento e foi para um quarto comum. Foi aí que Waldir e Rose se viram pela última vez. Ele saiu para chamar uma amiga que faria companhia à paciente durante a madrugada e recebeu uma ligação do sogro dizendo que ela estava morrendo na UTI. ;Fiquei em estado de choque;, lembra.

Waldir diz que prefere ficar com as melhores lembranças da esposa. Não sai de sua cabeça o dia que fizeram uma viagem para Gramado (RS). Ela não conseguia disfarçar a felicidade. ;Ela pegou o celular, se trancou no banheiro do quarto e ligou para a irmã e disse: ;Mana, estou no paraíso. A cidade é linda, estou com o homem que eu amo e vou ter a minha primeira filha. Não preciso de mais nada para ser feliz;.;

Primeiro amor
Marcela ainda era uma criança, mas dizia para as colegas do Centro Educacional Sesi, de Osasco, Grande São Paulo, que estava apaixonada por Fábio, de 13 anos. Aluna da quinta série, era loira, tinha cachinhos de boneca e namorava durante o recreio e na hora da saída, enquanto esperava a mãe. O primeiro beijo no namorado foi numa lanchonete e acabou relatado com detalhes na sua página no Orkut. ;Muita gente ria, mas é verdade. Eu amo essa garota;, diz Fábio. Ele foi ao velório de Marcela e chorou copiosamente, junto com Natália, 12, melhor amiga da estudante.

Além de sofrer pela falta da namorada, Fábio conta que teve de passar por cuidados extremos da família dele, que teme até hoje que ele tenha a doença, embora não tenha apresentado sintomas. ;Na rua, muitas vezes, as pessoas se afastam de mim. Sem falar nos meus amigos, que só querem falar comigo pelo telefone;, reclama. Na escola em que as duas crianças estudam, as aulas estão sem previsão para recomeçar.

A dor de se despedir
Ricardo César Tini Jecov falava noite e dia da cirurgia de redução de estômago. Ele se inspirava na irmã, Cristiane Jecov, 26 anos, que pesava 120 quilos e conseguiu chegar aos 55 depois que enfrentou o bisturi. Representante de vendas na cidade de Botucatu, a 283 quilômetros de São Paulo, ela acreditava que seria um homem feliz depois que emagrecesse pelo menos 50 quilos. Ele estava com 148 quilos. ;Na verdade, ele era cheio de sonhos. Queria quitar as prestações da casa própria e ter uma família;, diz a mãe, Sandra Jecov, enfermeira.

Como tem conhecimento na área da Saúde, Sandra diz que os primeiros atendimentos médicos feitos em seu filho foram negligenciados. ;Quando ele já estava com suspeita de gripe suína, os médicos do Hospital da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de São Paulo (Unifesp) deixaram ele esperando num banco das 19h até as 3h da madrugada;, conta, indignada.

Sandra acompanhou com pesar os últimos dias de vida de Ricardo. Ela conta que ele estava num quarto isolado do hospital quando conseguiram se comunicar por um vidro. Por meio de gestos, ele pediu a ela que não chorasse, pois ficaria bom. Ela fez sinais com as mãos para dizer que o amava. No dia seguinte, ele teve problemas para respirar e teve de ser transferido às pressas para a UTI, onde foi entubado. Pouco antes de morrer, Sandra foi chamada para acompanhar os últimos suspiros do filho. ;Uma mãe nunca estará preparada para ver um filho morrer;, atesta.

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