postado em 12/08/2009 08:05
O Instituto Butantan, que ficará responsável por parte das vacinas contra a gripe A (H1N1) a serem usadas no país, já recebeu o material genético necessário para iniciar a fabricação das doses. As cepas do vírus, enviadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), chegaram na manhã de ontem ao Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP). A produção começa em outubro e a expectativa do instituto é fazer 30 milhões de doses.O presidente do instituto, Isaías Raw, disse que as doses estarão disponíveis no início do ano que vem e o ideal é fazer a vacinação até abril. ;No início, será uma vacinação em massa para aqueles que têm que se proteger, como os profissionais de saúde. Não há capacidade industrial para vacinar todo mundo;, adiantou Raw.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, reconhece que o Butantan não tem estrutura para atender à demanda de vacinação no país e disse que o órgão vai tentar minimizar a falta. ;Faremos um mix: compraremos vacina pronta de alguns laboratórios, já estamos em tratativas com laboratórios, para somar ao que será produzido aqui. Alguns grupos populacionais serão priorizados. As evidências mostram que a vacina será, talvez, em duas doses;, disse Temporão ontem, após participar de audiência pública na Câmara que reuniu médicos, secretários de saúde e parlamentares para debater o assunto. O ministério já fechou a compra de 18 milhões de doses da vacina de um laboratório francês. Um milhão chega este ano para ser processada no Butantan. O restante, no ano que vem.
Temporão disse ainda que o ministério trabalha em um projeto para aperfeiçoar a legislação (1)em casos de pandemias como a da gripe suína. Uma das ideias é permitir que o governo tenha instrumentos jurídicos para decretar quarentenas compulsórias em bairros, por exemplo, se houver necessidade. No caso da gripe suína, o isolamento dos pacientes foi voluntário. ;Estamos tendo todo o cuidado para não ferir direitos individuais, constituicionais. Mas todos concordamos ser necessário aperfeiçoar a lei para enfrentar situações como essa;, disse o ministro.
O projeto deve orientar ainda sobre outra série de ações de emergência de saúde pública como definição de grupos de vacinação e uso de medicamentos. O texto será discutido na próxima reunião do Grupo Executivo Interministerial, composto por 16 ministérios, montado para discutir a gripe. O encontro será em 24 de agosto. Depois, a proposta deve ser encaminhada ao Congresso.
Embora as gestantes estejam no grupo de risco para a gripe A (H1N1), o presidente do Instituto Butantan disse não estar totalmente convicto de que elas devam fazer parte do primeiro grupo a receber a vacina contra a nova doença. Segundo Raw, ainda não há informação para assegurar que o medicamento não causará problemas como má-formação do feto.
;A pergunta é: há dados suficientes para dizer que o medicamento não causará problemas no feto? Eu não sei;, disse o presidente do Butantan. Para Raw, enquanto não houver segurança para imunizar as gestantes, o sistema de saúde deve priorizar o tratamento rápido às que tiverem sintomas de gripe.
O ministro da Saúde voltou a defender o protocolo que restringe a prescrição do antiviral Tamiflu. Reforçou que há medicamento suficiente para atender os infectados, mas que o uso indiscriminado pode estimular a resistência do vírus. Ele negou que a venda do medicamento em farmácias esteja proibida. ;Não há proibição formal. Apenas o laboratório está entregando toda a produção ao ministério, numa postura de comum acordo;, disse. Temporão tachou de ;irresponsáveis; os especialistas que defendem receitar o remédio em larga escala.
O governo anunciou a compra de mais 9 milhões de tratamentos de Tamiflu. Cada kit tem 10 comprimidos, o suficiente para tratar uma pessoa. O medicamento será entregue pelo fabricante até março do ano que vem. O ministério informou ainda que os três laboratórios militares do país receberam recursos para comprar equipamentos e, se preciso, ajudar na produção de remédios com o princípio ativo estocado pelo governo, como fez a Fiocruz. Temporão ressaltou que, apesar do aumento ;brutal; na procura por atendimento médico devido à gripe, o Sistema Único de Saúde está preparado (2)para enfrentar a pandemia. ;O SUS que construímos está dando e vai dar conta do recado.;
Boletim
De acordo com dados do Ministério da Saúde, mais de 77% dos casos de gripe registrados no país foram da gripe suína. A tendência, segundo o diretor de Vigilância Epidemiológica do órgão, Eduardo Hage, é que o novo vírus substitua o da influenza sazonal. Em São Paulo, o número de casos da nova gripe já representa 90% do total.
O boletim epidemiológico do ministério confirma a morte de 192 pessoas no país ; 94 a mais do que no boletim da semana passada. Mas, de acordo com as secretarias estaduais e municipais, o número já passa de 200. A assessoria de imprensa do órgão informou que os dados foram contabilizados até 9 de agosto e que os outros registros serão incluídos no próximo boletim.
Dos 192 mortos, 28 eram gestantes (14,5%). Dessas, cerca de 30% tinham algum fator de risco. O estado de São Paulo concentra a maior parte dos óbitos (40%), seguido pelo Rio Grande do Sul (22%) e o Paraná (12,5%). O infectologista David Uip avalia que o número de casos deve diminuir com o fim do inverno. ;Ainda vamos ter umas três ou quatro semanas de problemas;, disse.
1 - LEIS ULTRAPASSADAS
;A legislação brasileira em matéria de vigilância epidemiológica é ultrapassada. Não prevê os desafios que a evolução das epidemias, e particularmente das pandemias, trazem. O tempo do direito não combina com emergências. A pior época para se regulamentar uma urgência, principalmente sanitária, é durante essa emergência. Um fenômeno como o das pandemias causa restrições legítimas aos direitos fundamentais, porque coloca em primeiro lugar a saúde pública e, eventualmente, em segundo lugar, as liberdades individuais. Por isso precisa merecer uma regulamentação detalhada que não tem hoje.;
Deisy Ventura, professora da Universidade de São Paulo (USP), na audiência pública da Câmara.
2 - EM BUSCA DE RECURSOS
;O sistema, que já vinha sobrecarregado, teve um acréscimo de trabalho. Tivemos que suspender transplantes de rins, procedimentos que não ocupassem leitos de UTI. Estamos dando conta na medida do possível. Uma coisa é tranquilizar a população de que a maior parte das pessoas não vai precisar do SUS. Mas os que precisarem, se sobreviverem será muito mais pelo recurso humano, que está arregaçando as mangas, do que pelo recurso físico. É ilusório dizer que a estrutura está preparada.;
Nancy Bellei, infectologista, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora da assistência do Hospital São Paulo, unidade federal que atende pacientes pelo SUS.