Brasil

Restando pouco mais de quatro meses para o fim do ano, execução do orçamento federal destinado às penitenciárias do país é irrisório

postado em 23/08/2009 08:05
Enquanto os presos se rebelam pelo país, o orçamento federal destinado à área continua com baixa execução. A exemplo do que ocorreu em 2008, a verba do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) deste ano aplicada até agora, faltando praticamente quatro meses para 2009 acabar, é de R$ 9,7 milhões. O volume representa 5,3% do total disponível no fundo %u2014 R$ 182 milhões (já descontados os R$ 43 milhões que foram contingenciados). Mesmo considerando os R$ 96 milhões de restos a pagar quitados, o investimento do Funpen não alcança 50%. A outra fonte de recursos para o sistema prisional, o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), que tem R$ 135 milhões destinados à área, também anda lenta. Apesar de ter empenhado 55% do montante, o governo não pagou nenhum centavo do orçamento de 2009. As informações fazem parte de um levantamento da organização não governamental (ONG) Contas Abertas, feito a pedido do Correio. Airton Michels, diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça, não contesta os valores. Mas defende que o ritmo de execução está dentro da normalidade. "Como temos que esperar os projetos dos estados chegarem e serem arredondados antes de liberarmos os recursos, acabamos executando tudo nos últimos meses do ano. Em 2008, empenhamos o maior volume em dezembro. Agora, esperamos conseguir avançar em novembro", destaca o diretor. Segundo ele, é necessário ter cautela antes de gastar o dinheiro público. "Não somos despachantes do orçamento, precisamos dos projetos bem feitos." Apesar da despreocupação com o ritmo lento de execução da verba federal destinada aos presídios, o Depen promoveu oficinas este ano com técnicos dos estados para ensinar a eles como elaborar os projetos. De acordo com Michels, porém, a adoção de um sistema online no serviço público federal para tal fim atrasou os trabalhos. "Como se trata de um método novo, houve alguns problemas de funcionamento no sistema, o que atrapalhou o andamento dos projetos", explica. Especialistas Walter Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais e ex-secretário nacional Antidrogas, aponta a lentidão no repasse das verbas como um descaso histórico. "Há uma morosidade nas licitações, nos processos de compra no setor público, é verdade. Mas aceitar como normal a situação é adotar uma mentalidade burocrática, típica de um país que tem uma Justiça também atrasada. Enquanto isso, os direitos e garantias individuais são jogados para baixo do tapete e continuamos com esse sistema penitenciário falido", critica. Maierovitch destaca a ausência da finalidade ética da pena no Brasil. "Constitucionalmente, ficar preso deveria servir para ressocializar, melhorar. Mas num lugar onde isso não existe, ninguém vai dar o andamento necessário, a rapidez na execução das medidas para melhorar o quadro", afirma o especialista. Mas nem todos os estudiosos pensam da mesma forma. A socióloga Vera Malaguti, secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia, defende menos investimentos no sistema prisional %u2014 e mais em ações sociais %u2014 e joga a responsabilidade para os estados. "Se quem vai executar não pede ou não sabe pedir, fica difícil liberar verbas mesmo", afirma. Para Vera, o Brasil deveria se concentrar numa política de desencarceramento, tirando da prisão os detentos que cometeram pequenos delitos e promovendo revisões processuais. "Nos últimos anos, nós acompanhamos a tendência dos Estados Unidos de investir fortemente em repressão com foco em prisão. O resultado foi essa situação problemática do sistema carcerário, sem diminuição dos índices de violência", ressalta Vera. Ações detalhadas Dos R$ 9,7 milhões efetivamente pagos pelo Funpen até 18 de agosto, 47% foram executados por uma rubrica denominada Serviço Penitenciário Federal. Isso engloba gastos com a manutenção do sistema carcerário federal, compreendendo o pagamento de luz, energia e água. Não entram, portanto, nesses custeios, abertura de vagas ou melhoria das unidades que já existem. As duas rubricas com essa finalidade no fundo somam R$ 70 milhões, mas só R$ 21 mil foram executados este ano. Via Pronasci, metade do orçamento para a área penitenciária está empenhada, mas nada pago. Mesmo assim, 15 estados estão com convênios fechados com o governo federal para receberem unidades prisionais de jovens e mulheres. Anunciados como a grande bandeira do Pronasci na questão carcerária, esses presídios, chamados de especiais ou temáticos, só devem ficar prontos em 2011, numa previsão otimista. Inicialmente orçados em R$ 14,8 milhões cada, o governo federal foi convencido pelos estados que a cifra necessária é de R$ 17,5 milhões. "Teremos que repassar essa diferença para os estados que foram beneficiados no ano passado com o valor anterior. Então, já empenhamos R$ 75 milhões neste ano", explica Michels. Entretanto, desde que o Pronasci foi criado, somente R$ 13 milhões foram efetivamente pagos. "É que são obras demoradas, os estados precisam fazer licitação. E para pagarmos totalmente, precisamos que a obra esteja concluída", explica o diretor do Depen. Orçamento no xadrez Funpen Dotação autorizada: R$ 182 milhões Empenhado: 27,5 milhões (15%) Valor pago: R$ 9,7 milhões (5,3%) Total pago (com restos a pagar): R$ 105,7 milhões (57%) Pronasci (ações referentes ao sistema penitenciário) Modernização de estabelecimentos penais Dotação autorizada: R$ 19,8 milhões Empenhado: zero Pago: zero Valor total (com restos a pagar): R$ 13,7 milhões Apoio à construção de estabelecimentos penais especiais Dotação autorizada: R$ 116 milhões Empenhado: R$ 38,9 milhões Pago: zero Valor total (com restos a pagar): zero Rebeliões recentes 19 de agosto Depois de nove horas de negociação, os cerca de 130 presos rebelados no presídio de Serrinha (BA) liberaram cinco detentos acusados de crimes sexuais que haviam sido feitos reféns. Os presidiários conseguiram retomar benefícios, como oficinas de artesanato e banhos de sol. 18 de agosto Dez homens rebelados queimaram colchões e destruíram celas na cadeia de Buri (SP). Um carcereiro foi feito refém. Os detentos reivindicavam melhorias nas instalação do local. Cinquenta presos acabaram sendo transferidos depois da confusão. 5 de julho Cerca de 130 presos da Penitenciária Sílvio Hall de Moura, em Santarém (PA), fizeram quatro agentes reféns para reivindicar agilidade no andamento dos processos. A rebelião durou 20 horas e terminou sem feridos.

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