Brasil

Pesquisa: muitos médicos são sedentários e chegam a ter expectativa de vida 10 anos menor

postado em 25/08/2009 08:00
O pediatra Júlio César Cavalcanti da Rocha, de 60 anos, não esquece o São João de 1999. E não é por causa de uma noite inesquecível de arrasta-pé. Naquele 24 de junho, ele saiu de casa angustiado. Pensou mil vezes no que iria encontrar no Hospital Monsenhor Osvaldo Gurgel, em Natal (RN). Imaginou as crianças doentes, a falta de remédios, de material e de leitos. Ficou tenso antes mesmo de chegar à unidade hospitalar, onde casos de doenças respiratórias e queimaduras aumentavam. De tanto pensar nos outros, esqueceu de cuidar da própria saúde. É o mesmo que acontece com vários médicos espalhados pelo Nordeste. O pediatra infartou durante um plantão, um risco presente para 21 de 100 médicos que sofrem de doenças circulatórias no Brasil. Júlio César não fazia exercícios e ainda fumava. É o caso de 3,1% dos profissionais no Nordeste, segundo pesquisa da professora de ética médica da Universidade Federal de Sergipe, Déborah Pimentel. O infarto ocorreu numa quinta-feira, quando tentava arrumar, sem sucesso, leitos para internar algumas crianças. "Pensei: 'vou vomitar'. Fiquei pálido, suado, tive de ser socorrido por um colega de trabalho", afirmou. Ele diz que sofreu tanto quanto os pacientes. "Não tinha vaga na UTI. Só pude fazer um cateterismo na sexta-feira e fui operado no sábado", contou o pediatra. Segundo Déborah Pimentel, a rotina dos médicos dificulta a prática de exercícios físicos e os cuidados com a própria saúde, o que se reflete na expectativa de vida da categoria no Nordeste, de 10 anos a menos que o da população em geral. "Pelos dados do IBGE, os médicos do Nordeste têm uma expectativa de vida de 59,7 anos contra 69,7 da região nordestina", afirmou. Júlio César se aposentou por invalidez há 10 anos e hoje atua no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte. Segundo ele, as condições dos hospitais públicos pioraram na última década. "A rede pública do Rio Grande do Norte está em situação de calamidade", lamentou, acrescentando que o estresse diário é uma das maiores causas de hipertensão e outras doenças de cunho emocional. » Se saúde anda mal, sexo está pior, conta livro A falta de cuidados com a saúde também se reflete na vida emocional e sexual dos médicos. O livro O sonho do jaleco branco, de Déborah Pimentel, mostra um retrato da questão por meio de uma pesquisa feita com 670 profissionais de Sergipe. De acordo com o levantamento, quase 10% dos médicos da área disseram que nunca ou raramente têm satisfação sexual. O número aumenta quando diz respeito a distúrbios sexuais, chegando a 35,1%. Segundo dados do Conselho Federal de Medicina, 4 entre 10 médicos brasileiros (40%) admitem redução da libido e 30% estão insatisfeitos com a vida sexual. A média de brasileiros insatisfeitos com o sexo é de 20,5% para os homens e 23,6% para as mulheres, segundo pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) - percentual menor que o relativo aos médicos. Déborah explicou que os mesmos profissionais que dizem ter casa própria (86%), automóvel (93%) e consultório próprio (27%) estão com dificuldades na vida amorosa. Entre os que admitiram ter problemas, ela destacou ausência de orgasmos (32%), dor nas relações sexuais (19%) e ejaculação precoce (18%), entre outros. "Quase 30% só tem relação sexual uma vez por semana e 7%, uma vez ao mês", afirmou. » Limites A pesquisa mostra que 17,6% dos médicos ouvidos são infiéis, mesmo com relacionamentos estáveis e 21,9% têm relações sexuais de risco, raramente com preservativos. "Quando se faz uma pesquisa com esta intenção é para que ela represente um todo. Ou seja, a amostra reflete (a situação de) outras regiões. Médico tem fraquezas, limites, sonhos, fantasias e mazelas", disse a professora. Para Déborah, os médicos se descuidam mesmo sabendo a "gênese das doenças". "Eles não usam seus conhecimentos a serviço da própria saúde", completou. Com vergonha de admitir a crise na vida amorosa, o médico paraibano Carlos Silva (nome fictício) corrobora com a tese. Ele trabalha no Departamento de Infectologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley, na Paraíba, e diz que a falta de estímulo sexual é provocada pelo desgaste físico e emocional no trabalho. "A gente não consegue deixar de se envolver com os pacientes, o que afeta muito nossa vida pessoal. O tempo que resta usamos para nos atualizarmos. A vida amorosa fica em segundo plano", observou.

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