Carolina Nahuz
postado em 27/08/2009 09:34
Filas para consulta que começam na madrugada, pessoas que saem à noite de casa para tentar uma vaga no dia posterior na rede pública de saúde e até dinheiro em troca de um lugar ao sol. Ou melhor: à sombra, dentro do hospital, com a senha na mão e a vaga garantida.
O quadro é revelado por parte da população encontrada por O IMPARCIAL na porta das centrais de marcação de consulta e dos hospitais públicos mais procurados da cidade. O problema crônico da venda de senhas, assim como as doenças que se alastram na vida deles, dificulta o acesso, burla e vicia o sistema.
Desde às 4h, a equipe de O IMPARCIAL começa a percorrer pontos de aglomeração de pessoas. Geralmente, o perfil de quem está na fila é semelhante: pessoas mais velhas, aparentemente cansadas pelo tempo que passaram acordadas ou jovens que por vezes tentam conseguir o espaço para atendimento.
É o caso de Elienide Santos, cuja mãe precisa de consulta. Segundo ela, pela terceira vez naquela fila, o número de vagas é restrito e é necessário o retorno para ter êxito. "Minha mãe veio aqui tentar, mas não conseguiu. Tem que começar a vir uns três meses antes para poder ser atendida", reclama.
Já Luzanira Ribeiro Costa considera um abuso o deslocamento durante a madrugada. "Além de ser uma falta de respeito com a gente vir para cá de madrugada, o atendimento ainda é horrível. Tratam a gente mal e nem dão explicações", comentou, na porta da Central de Marcação de Consultas da Alemanha.
Segundo ela, todas as vezes que precisa marcar uma consulta precisa perder o dia inteiro de trabalho. "Ainda tenho que avisar lá [no trabalho] que não vou poder ir. Toda vez é assim", finaliza.
Para Divinalva Lobo, o problema de chegar tão cedo, ainda quando está escuro, é o perigo. "Um idoso tem que vir para cá, ficar aqui, vulnerável, à mercê de marginais", disse Divinalva.
Negócio lucrativo
Na contramão da insatisfação, há quem considere as filas um bom negócio. A oportunidade de burla e montagem de esquema para angariar dinheiro faz com que Antonio Araújo chegue por volta das 21h do dia anterior no local de marcação.
Segundo ele, sempre é o primeiro a chegar e consegue marcar um lugar que vende, geralmente, por R$10. "Chego aqui cedo. Aí, marco a vez e vem a pessoa que não pode chegar cedo e troca de lugar comigo. Estou sem emprego e faço esse bico", diz ele, que confessa usar o recurso para sobreviver. "Eu não quero é roubar", se explica.
Segundo Antonio, há quem com antecedência combine de ir no dia posterior e reserve a vaga. "Tenho que esperar. Caso a pessoa não venha, eu perco tudo", diz. Antonio leva papelão para o tempo que passará sentado no chão e divide com as pessoas que conhece diariamente na fila.
Ele reconhece que o tempo que passa à espera das marcações é valioso. "Estou aqui perdendo minhas noites de sono que eu não vou recuperar, mas assim eu vou vivendo", continua.
Para a aposentada conhecida apenas como Telma, a justificativa é a mesma. "É minha renda. Melhor do que estar roubando ou pedindo para os outros", afirma, enquanto confere os documentos que precisará levar para a fila no dia seguinte. A equipe de O IMPARCIAL esteve na casa de Telma e simulou uma encomenda de consulta.
Ela é conhecida no bairro onde mora pela "prestação de serviço" e considera o trabalho como benefício a quem precisa, uma troca justa. "Eu que inventei isso. Ganho meu dinheiro assim. As pessoas vêm e me dizem o que querem. Eu vou lá e marco para elas", contou, desconfiada.
De acordo com a senhora de 62 anos, não há muita dificuldade para enfrentar as grandes filas, já que ela se identifica como idosa. Para marcar para outra pessoa, basta que ela tenha em mãos a fotocópia da identidade, o endereço e, geralmente, um encaminhamento ao especialista escolhido.
Quando o médico é um clínico geral, explica ela, não é necessário encaminhamento. Basta ir ao posto, como a Hemomar, por exemplo, e retirar uma carteira em nome da pessoa que será consultada. Nesse documento, há o nome, a data e o horário da consulta.
O custo do serviço varia entre R$ 5 e R$ 15. "Depende da consulta. Uma endoscopia, que marca só uma vez por mês, é R$ 15. Mas pra você eu posso fazer isso por R$ 5", negocia. Segundo ela, cada senha dá direito a que sejam marcadas duas consultas.