postado em 30/08/2009 09:56
Caiapônia (GO) ; A apreensão de quase meia tonelada de cocaína em uma fazenda do interior de Goiás confirmou uma investigação que a Polícia Federal (PF) vinha fazendo havia algum tempo: a migração da rota do tráfico. A PF descobriu que aviões partem das regiões produtoras da Bolívia direto para o estado e regiões próximas ao Entorno do Distrito Federal, onde arrendam propriedades para armazenar o pó. Pela qualidade da cocaína apreendida, policiais acreditam que ela está sendo enviada ao Brasil por grandes cartéis bolivianos e seria distribuída para Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Nordeste. Os 465 quilos da droga apreendida em Caiapônia, a 435km de Brasília, há uma semana, depois de preparada para o consumo, renderia até duas toneladas.Com o aumento da produção de coca na Bolívia, a Polícia Federal começou a ter um controle mais rígido do espaço aéreo brasileiro, principalmente nos estados que fazem fronteira com o país vizinho. Em menos de dois meses, três aviões carregados de cocaína foram interceptados por caças Tucano da Força Aérea Brasileira (FAB)(1), mas pousaram antes de serem abatidos. No caso de Caiapônia, a aeronave tinha matrícula boliviana e foi acompanhada desde sua saída do outro país até sua chegada ao sul de Goiás, onde descarregou a droga em uma fazenda de difícil acesso. Em seguida, o Cessna 210 decolou novamente para a Bolívia, mas foi interceptado em Rondonópolis (MT).
Propriedades suspeitas
Antes da descoberta da droga em Goiás, a PF vinha fazendo uma investigação em torno do aumento de aviões sobrevoando o estado. A partir daí, começou a fazer um levantamento das propriedades suspeitas, um trabalho que ainda não foi concluído. Porém, todas as informações sobre a apuração estão sendo mantidas em sigilo. Segundo o delegado Luiz Cravo Dórea, coordenador-geral de Repressão à Entorpecentes da Polícia Federal, a suspeita também recai sobre negócios feitos com propriedades no Entorno de Brasília. ;Já foram levantados casos de aviões bolivianos voando também nessa região;, afirma Dórea.
1 - Lei do Abate
Instituída em 1998, a Lei do Abate regulamentou o tiro de destruição em 2004, por meio de decreto presidencial. Somente aviões suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas podem ser alvejados pelos caças da FAB. Isso acontece quando a aeronave entra em território nacional sem plano de voo aprovado, utilizando trajetos que compreendam regiões produtoras de drogas, como a Bolívia. A FAB avisa o piloto para aterrissar na pista mais próxima. Se isso não acontecer, os militares podem dar um tiro de advertência e outro para abater o avião suspeito.
A nova rota do narcotráfico
# Segundo investigações da Polícia Federal, a cocaína tem saído pela Bolívia, transportada em pequenos aviões. As aeronaves são carregadas nas regiões produtoras do país, como Chapare. A droga chega em poucas horas aos principais centros consumidores brasileiros pelo seguinte trajeto:
Mato Grosso do Sul ; Antes o estado era considerado o principal ponto de armazenamento da droga, que em seguida seria distribuída para outras regiões do país. Hoje, Mato Grosso do Sul serve, em alguns casos, como local de abastecimento dos aviões.
Goiás ; O estado passou a ser um dos pontos de distribuição da droga para o restante do país. Os locais preferidos são fazendas do interior, onde a fiscalização é pequena.
Distribuição ; De Goiás, a cocaína segue por meio de rodovias federais para São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, principalmente. Há casos em que ela pode ser distribuída também para o Nordeste, por meio dos chamados traficantes formiguinhas, que transportam pequenas quantidades de entorpecente.
Números
O Centro-Oeste brasileiro só perde para o Sudeste entre as regiões em que a Polícia Federal mais apreendeu cocaína e pasta base do entorpecente este ano, segundo dados da corporação.
Região - Total apreendido (em quilos)
Centro-Oeste - 563,1
Sudeste - 631,1
Norte - 178,5
Nordeste - 38,7
Sul - 17
Fonte: Polícia Federal
Esquema sofisticado
A empreitada ilegal que tem sido usada por traficantes para trazer cocaína ao Brasil começa no arrendamento de fazendas ou outras áreas rurais, normalmente de difícil acesso. Usando laranjas ou documentos falsos, os criminosos alugam as propriedades. O segundo passo é construir uma pista para os aviões pousarem ou jogarem a droga embalada em caixas. ;Normalmente, a pista tem em torno de 400 metros de comprimento, espaço suficiente para que uma pequena aeronave aterrisse com tranquilidade;, afirma o delegado de Repressão a Entorpecentes da Superintendência da Polícia Federal em Goiás, Deuselino Valadares dos Santos. Segundo ele, os aviões partem em voos diretos da Bolívia, sem escalas, em uma viagem que dura em torno de quatro horas. ;Os traficantes fizeram adaptações nos tanques de combustível que possibilitam uma maior autonomia para voar.;
Os voos são feitos em baixa altitude para evitar justamente uma das mais poderosas armas da Polícia Federal: os radares da FAB. ;Estamos tendo uma colaboração importante da Aeronáutica para interceptar os aviões que entram no país;, observa Dórea. Pequenos, os monomotores de asa alta voam baixo e muitas vezes entram no Brasil sem serem detectados. ;As aeronaves têm uma capacidade para entrar com pelo menos 400 quilos de droga;, ressalta Deuselino. Nesse caso, os traficantes tiram as poltronas traseiras e viajam com apenas uma ou duas pessoas. Normalmente, piloto e co-piloto.
O que também impressiona as autoridades é a qualidade da cocaína apreendida. A quase meia tonelada retida em uma fazenda de Caiapônia é totalmente pura. Isso mostra que a droga que está sendo transportada para outras regiões do estado e Entorno do DF é para consumo no Sudeste do país. O Centro-Oeste, segundo os delegados, continua sendo abastecido pelos chamados traficantes formiguinhas, que trazem até 30 quilos do produto por estradas ou em voos comerciais. ;Normalmente, é a pasta base de cocaína, que também dá origem ao crack e à merla;, explica Dórea.