postado em 04/09/2009 09:46
Com a voz empostada e grave, o contador aposentado Jésus da Silva Barcelos, de 70 anos, entoa os versos de Luar do sertão enquanto toca violão e, com passos lentos, passeia entre as camas da enfermaria, olhando para os pacientes e observando a reação atenta desse público especial.
Ao final, os aplausos e os agradecimentos emocionados são a recompensa que ele mais espera. "Isso é mil vezes melhor que fazer uma serenata ao luar", diz o músico que, desde outubro de 2008, de 15 em 15 dias, leva música e um pouco de alegria aos pacientes internados na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte.
Como Jésus, os músicos Walison Adriano Maurício (voz e violão), Alex Alencar Ferreira de Matos (cavaquinho) e Flávio Henrique do Santos (percussão) também se apresentam na Santa Casa e não escondem o prazer que sentem ao fazer esse trabalho voluntário. Os três moram em Contagem, são músicos profissionais e, como diz Walison, "procuram retribuir, com o dom que Deus lhes deu, um pouco do que conseguiram na vida".
Jésus é o pioneiro do projeto Quem canta seus males espanta, uma iniciativa da assistente social Eliane Gomes Brandão, que trabalha no hospital atendendo os internos nas alas de cardiologia e neurologia. Ela sempre quis desenvolver atividades de lazer e artísticas, que contribuíssem para mudar o ambiente sisudo e silencioso das enfermarias e, no ano passado, encontrou no músico o parceiro ideal para transformar em realidade a sua ideia.
Foi Jésus quem tomou a iniciativa. Morador do Santa Mônica e integrante do grupo de seresta do bairro, ele sentia falta de algum tipo de trabalho social e procurou a Associação das Voluntárias da Santa Casa (Avosc), entidade que desenvolve vários projetos no hospital. Feito o contato, Jésus começou as apresentações na enfermaria de neurologia. A iniciativa se tornou um sucesso e Eliane começou a procurar mais músicos dispostos a se apresentar para os pacientes de outras enfermarias.
O grupo de Walison aderiu ao projeto em fevereiro, o que possibilitou a Eliane ampliar a iniciativa. Numa quinta-feira, Jésus se apresenta para os pacientes da enfermaria de neurologia, interpretando clássicos da seresta e composições sertanejas. Na outra, os sucessos da bossa nova e do samba, interpretados por Walison, Alex e Flávio, animam o ambiente na ala de cardiologia.
Mas, independentemente do ritmo, que também contagia amigos e parentes dos internos, pois as apresentações são feitas durante o horário de visitas, o que conta mesmo é o entusiasmo dos pacientes, surpreendidos com a chegada dos músicos, que já entram cantando na enfermaria. "Sinto uma paz muito grande e também alegria", diz o encarregado de manutenção Noraldo Carvalho de Oliveira, de 50 anos, internado por causa de uma arritmia cardíaca.
Sentimento idêntico tem Cosme Martins, de 44, que se levanta ao ouvir Jésus interpretar o clássico Chalana e, não satisfeito com a passagem do músico pela enfermaria onde está internado, vai para a porta da próxima enfermaria, ouvir outras canções. Depois, sorrindo, retorna para seu leito, mas continua a comentar com os demais pacientes as músicas que ouviu.
Contatos
A euforia e o ambiente descontraído das enfermarias depois da apresentação dos músicos levam Eliane Brandão a buscar mais músicos interessados em cantar para os pacientes da Santa Casa. "Enfermeiros e médicos sempre comentam que o ambiente melhora, que os pacientes ficam mais animados. Por isso, quero que os pacientes da enfermaria de cirurgia cardiovascular também tenham esse benefício. Quem quiser se apresentar para eles basta me procurar", diz a assistente social.