Brasil

Entre 1985 e 2008 apenas 7,5% dos homicídios no campo foram julgados

Rodrigo Couto
postado em 08/10/2009 08:40
A Justiça brasileira demonstra pouco interesse quando o assunto é concluir processos que tratam de conflitos rurais no país. E esse descaso está refletido em números. Somente 85 (7,5%) dos 1.129 casos de homicídio envolvendo enfrentamentos no campo foram a julgamento no período entre 1985 e 2008. Os dados fazem parte de um levantamento do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), baseado em informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Pastoral da Terra e do Núcleo de Estudos de Reforma Agrária da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O estudo ainda não está concluído, o que pode elevar ainda mais as estatísticas. Ao longo de 23 anos, a disputa entre latifundiários e agricultores resultou em 1.521 mortes. Os estados do Pará, Maranhão, Pernambuco e Tocantins concentram a maior parte das ocorrências. Estatísticas Diante dos números, apresentados em Campo Grande (MS), durante o I Encontro do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, realizado na semana passada, os pesquisadores decidiram investigar os motivos da morosidade. "Com esse estudo, pretendemos ver a dimensão do problema e onde ele está localizado, para saber quais medidas são responsabilidade do Judiciário", afirma Cristina Zackseski, diretora de projetos do Departamento de Pesquisas Judiciárias. Na avaliação da especialista, a deficiência está no sistema penal brasileiro como um todo, não apenas no sistema Judiciário brasileiro. Justiça a serviço da propriedade Coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dirceu Fumagalli observa que a redução dos conflitos agrários nos últimos anos não significa que houve um recuo na mesma proporção da violência. "Pelo contrário, a violência aumentou, principalmente nas áreas de fronteira dos estados. A impunidade é a grande responsável por esse crescimento. E o poder Judiciário, que é uma redoma e não tem nenhum controle social, não está a serviço das vidas, mas da propriedade", critica. Uma das sugestões para reverter esse cenário, segundo Fumagalli, é a continuidade da mobilização social. "A população tem que se articular diante dessa criminalização dos movimentos sociais, pautar um debate nacional e cobrar as mudanças estruturais do Judiciário", acrescenta. A opinião é a mesma de Bernardo Mançano, coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da Unesp. Mançano defende que o poder Judiciário não conhece a realidade agrária brasileira. "Os juízes que estão nas regiões de conflito não conhecem o problema in loco e estão distantes. São raros os que visitam os locais e conversam com as pessoas envolvidas. Portanto, esses números não causam nenhuma surpresa", diz. Uma das alternativas, de acordo com Mançano, é o Judiciário assumir a responsabilidade de acompanhar os casos de perto. "Existem a ouvidoria agrária nacional, as pesquisas e a proposta de criação das varas agrárias para tratar profundamente dos problemas. É preciso criar espaços específicos para mudar o rumo desse grave problema", completa. Apesar dessa possibilidade de reverter o baixo índice de julgamentos de casos sobre conflitos rurais, Mançano não acredita na eficiência do Judiciário "pelo simples fato de representar a classe dominante no Brasil". "Em 500 anos de história do nosso país, esse poder, com raríssimas exceções, sempre esteve ao lado dos coronéis e das grandes empresas. Nunca defendeu os pobres. Podemos alterar essa realidade somente por meio das eleições do Executivo e do Legislativo. A saída está na sociedade", acredita. Também descrente com o Judiciário, Jomar Alves Moreno, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), faz uma breve radiografia dos problemas. "Essa morosidade é imoral. São muitos processos para poucos juízes. Isso em todas as varas do país", diz. Para Moreno, a lentidão é explicada pela falta de pessoal e equipamentos, "somada aos interesses políticos". Outro fator que favorece a caminhada em passos lentos são os excessos de recursos judiciais. "Qualquer pessoa que tenha um advogado, vai ter a decisão protelada por anos. Esses mecanismos de adiar os julgamentos são utilizados, em geral, para obter a prescrição do processo. É muito preocupante", salienta. Segundo o integrante da OAB-DF, pior que não julgar é não descobrir os autores dos crimes. Ouça entrevista com Dirceu Fumagalli, coordenador da Comissão Pastoral da Terra

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