Rodrigo Couto
postado em 20/10/2009 09:38
Os confrontos entre quadrilha rivais e a polícia no Rio de Janeiro já eram esperados e especialistas em segurança pública avaliam que as cenas de violência ocorridas no último fim de semana vão continuar e se intensificarão. A previsão é baseada a partir do que ocorreu em Medellín e Bogotá, na Colômbia, onde as cidades eram dominadas pelo crime organizado na década de 1990. Para o secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, o que ocorre é a tentativa de retomada de territórios perdidos para os criminosos.Para Balestreri, o poder público no Rio perdeu um grande espaço conquistado nos últimos anos pelo crime organizado e agora decidiu retomá-lo não apenas oferecendo melhorias à população, mas partindo para o enfrentamento. Nesse cenário, criminosos de grupos rivais tentam tomar pontos estratégicos, como o Morro dos Macacos, o que gera confrontos. ;Os indicativos são que essa situação vai continuar, como ocorreu na Colômbia, onde houve a luta pelos territórios perdidos;, afirma o secretário. ;O que está acontecendo é trágico, mas está dentro de um contexto na luta contra o crime organizado.;
Especialistas na área ouvidos pelo Correio divergem sobre as estratégias adotadas pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), realizadas em conjunto com o governo federal. A maioria, porém, defende a descriminalização dos usuários de drogas ilícitas. Na avaliação do advogado e ex-governador do Rio Nilo Batista, as medidas para proibir o consumo de drogas são equivocadas. ;A política proibicionista concernente às drogas ilícitas é que produz esse genocídio em curso no Rio de Janeiro. Suspeitos são mortos e os policiais são expostos e morrem por conta de uma prática completamente obtusa, porque repete o fracasso de quatro décadas;, afirma.
[SAIBAMAIS]De acordo com Nilo Batista, que também é professor de direito penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-secretário de Estado (Polícia e Justiça), a política repressiva às drogas ainda gera corrupção. ;Muitas das facções criminosas têm relações com policiais.;
Já o coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, do Conflito e da Violência Urbana da UFRJ, Michel Misse, tem opinião diferente. Para ele, a política de ocupação social das favelas é correta e alija traficantes. ;Esta medida conjunta de implantar o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em comunidades de baixa renda tem se mostrado eficiente. Uma pena que ocorra somente em algumas favelas da Zona Sul carioca. É dispendioso, mas é uma forma eficiente de acabar com a violência e, ao mesmo tempo, oferecer cidadania;, salienta.
Fim da PM
Polêmico, o especialista em conflitos privados e públicos da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio de Brito defende a extinção das polícias militares em todo o país. ;Esses policiais são corporativistas e têm uma série de desvios. Sou contrário à separação de investigação e repressão entre a PM e a Polícia Civil. Essa última é que tem capacidade para concentrar tudo isso;, ressalta.
O coordenador da organização não governamental Viva Rio, Antônio Rangel, afirma que a situação do estado fluminense vem piorando nos últimos 15 anos. ;O narcotráfico não está derrotado e sobrevive porque tem o apoio de alguns setores da polícia;, afirma.
Bons exemplos
Marcadas pela violência no passado, grandes cidades, como Nova York e Bogotá, se transformaram em casos de estudo sobre combate à criminalidade. A capital colombiana, que no início da década de 1990 chegou a ter uma taxa de 80 assassinatos por 100 mil habitantes ; no município do Rio de Janeiro, o índice é de 40 mortes para o mesmo número de moradores ;, reduziu para menos de 20. Em primeiro lugar, uma força-tarefa foi criada em Bogotá, com investimento maciço na área social. Além disso, o governo construiu unidades policiais blindadas dentro das favelas. Em Nova York, que reduziu em cerca de 80% o número de homicídios, a política engrenou em 1994, com a implantação do programa Tolerância Zero ; cuja filosofia era a punição rigorosa de qualquer tipo de delito. Uma ;limpeza; dentro das polícias também foi feita. Apesar do sucesso, há denúncias de brutalidade policial, criminalização da miséria e violação de direitos humanos.
Ponto crítico
A política de enfrentamento dá resultado?
SIM
Marcos Luiz Bretas
;No mínimo, é coerente. O governador do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral Filho, do PMDB) está adotando um tipo de prática política com escolhas. E acho que é isso mesmo que temos que fazer em relação à segurança pública. Tentar preconizar erros antes de testar é complicado. Existe uma congruência de uma política pública e temos que respeitar e apoiar, pois está se tentando fazer alguma coisa para dar uma resposta. Há um esforço que, por um lado é de enfrentamento, com tiros e mortes, que é o lado ruim, mas, por outro, existe toda uma política de pacificação e presença nos morros, de forma que se torne um espaço de cidadania, sem conflitos. Esse é o grande ponto. É claro que tudo isso tem um custo, com resistências e conflitos, que é o que está acontecendo. Mas o principal é conseguir segurança dentro do espaço de vida das pessoas pobres. Não sabemos quais as melhores políticas para combater a violência, porque estamos sempre experimentando.;
Professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
NÃO
Antonio Testa
;Os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro demonstram, por um lado, um aumento nos esforços dos órgãos de segurança pública para enfrentar os criminosos e, por outro lado, sua ineficiência. Os argumentos colocados pelo secretário de Segurança Pública (José Mariano) Beltrame de que a polícia dispunha de informações sobre ações previstas pelos criminosos, mas não foi possível se antecipar a elas, denota precária capacidade de coordenação do sistema de segurança pública frente ao crime que, aparentemente, é organizado. É inegável que o combate ao tráfico deve ser feito, só não é compreensível por que tanto esforço é feito para combater o tráfico e pouco para cercear o consumo. É uma guerra perdida, ao que aparenta. Tanto pelo custo material como humano. O problema social da criminalidade tem raízes bem mais profundas. Está no processo de formação do indivíduo como cidadão, com deveres e responsabilidades. Mas essa questão não é atacada estrategicamente. Resta o combate pontual ao crime. A guerra contra o narcotráfico e o sofrimento de segmentos desprivilegiados da sociedade carioca. Os resultados aparentes dessa guerra têm sido mortos entre os criminosos, os policiais e a sociedade. Essa política é necessária, mas tem sido ineficiente para cumprir seus objetivos.;
Professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB)