postado em 25/10/2009 08:00
As grávidas que moram em Santana do Livramento (RS) não têm mais a garantia de poder dar à luz no município. Em alguns casos, nem sequer no Brasil. O único hospital público da cidade gaúcha, distante 488 quilômetros da capital Porto Alegre, está interditado há mais de uma semana por falta de condições de atendimento. Por causa disso, as gestantes em situação de emergência precisam atravessar a fronteira rumo ao Uruguai. E, se não bastasse o transtorno de fazer o parto em outro país, ainda precisam enfrentar depois a burocracia para garantir que o rebento tenha cidadania brasileira. A Santa Casa de Misericórdia parou de receber pacientes após uma vistoria do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul realizada em 10 de outubro. Ainda há quatro pacientes internados, apenas à espera da alta médica. O hospital vive de repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) e de doações. Mas, com um prejuízo mensal de R$ 400 mil e atolado em dívidas que somam cerca de R$ 25 milhões, não consegue mais crédito com os fornecedores para abastecer os estoques. Nos armários, faltam insumos básicos, como algodão, gaze e álcool. Após muita reclamação dos médicos, o conselho determinou a interdição do local por avaliar que não há condições de trabalho.
A dona de casa Ana Paula Gonçalves, 27 anos, foi pega de surpresa pela mudança. Ela estava em casa quando percebeu os primeiros sinais das contrações, na madrugada da última segunda-feira. Ao lado do marido, correu para a Santa Casa e foi informada pelos funcionários da portaria de que não poderia ser internada no local. ;Não tinha ninguém para atender;, lembra. Ana Paula foi levada em trabalho de parto, na ambulância do próprio hospital, para Rivera(1). A viagem não dura mais do que cinco minutos, já que as duas cidades são coladas uma na outra, separadas apenas por uma praça.
No lado uruguaio, a dona de casa deu à luz Ivanara Freitas, com 47cm e 3,22kg, e ficou cinco dias internada no hospital. O problema é que, como o parto foi feito no exterior, é preciso requisitar o registro no Brasil. De acordo com o Consulado brasileiro em Rivera, o processo pode custar até R$ 135, fora as despesas do envio dos documentos a Brasília. ;Segunda-feira fica pronta a papelada, que eu preciso apresentar na Secretaria de Saúde para que eles possam enviar para Brasília. Não vai levar menos do que 10 dias. É uma vergonha;, reclama a dona de casa.
1- Burocracia
As mães que tiveram os filhos em Rivera podem registrar os filhos no Brasil. Mas o procedimento exige paciência, já que é preciso procurar o Consulado do Brasil no município uruguaio e comprovar o transporte da criança para o território brasileiro. É preciso formalizar tudo em cartório e enviar os documentos para Brasília, onde o processo é finalizado. A papelada não sai por menos de R$ 135. Famílias de baixa renda pagam apenas a conta dos Correios.
Sem solução em curto prazo
Segundo a prefeitura de Santana do Livramento, outras seis mulheres tiveram de ser transportadas na semana passada para o hospital uruguaio enquanto estavam em trabalho de parto. Nos casos menos urgentes, em que é possível o deslocamento para outro município do estado, a opção tem sido as cidades de Rosário do Sul e Quaraí, que ficam a cerca de 100km de distância. Cesarianas, só em Uruguaiana, a 250km de Santana do Livramento.
;Temos consciência de que não vamos conseguir reabrir o hospital em menos de dois ou três meses;, afirmou o secretário de Saúde do município, Valmir Silveira, que conversou com o Correio por telefone. Ele diz que não será fácil reunir recursos para pagar as dívidas da Santa Casa sem a ajuda do governo estadual e do Ministério da Saúde.
A Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul informou que está em fase de negociação para que uma instituição privada assuma a gerência do hospital. Uma das propostas é fazer com que a Santa Casa realize atendimentos pelo SUS e por convênios particulares paralelamente. Segundo Silveira, as gestantes não precisam arcar com as despesas do parto no Uruguai porque as duas cidades têm uma parceria para atendimento de pacientes. ;Mas é provável que tenhamos que repassar algum recurso para eles nessa situação.;