postado em 25/10/2009 11:10
Seus olhos não conseguem captá-los, mas eles estão por todas as partes. Desfrutam do poder da invisibilidade e dos maus hábitos nossos de cada dia para se esconder %u2014 e se multiplicar %u2014 nos cantos mais variados. Como a sua cozinha, por exemplo. Um simples pano de prato úmido deixado sobre a pia pode possuir mil vezes mais bactérias que um tampo de vaso sanitário, segundo o biomédico Roberto Figueiredo, que ficou conhecido como Dr. Bactéria e protagonizou uma campanha do Ministério da Saúde sobre a gripe A H1N1. Microorganismos como fungos, bactérias e ácaros dividem com os humanos os mesmos espaços. E podem provocar problemas de saúde, desencadeando processos alérgicos, abrindo portas a infecções alimentares ou atacando os pulmões. Principalmente quando o exército deles está mais forte que o nosso sistema imunológico é capaz de suportar.
Em cidades quentes como o Recife, por exemplo, infiltrações em paredes próximas ao guarda-roupa criam o ambiente propício para o desenvolvimento de fungos. E basta abrir as portas para inalar seus esporos. Aspergillus é um dos gêneros mais comuns de fungos contaminantes e pode desencadear de processos alérgicos a infecções fúngicas, como micoses pulmonares. Na cozinha, as esponjas usadas para lavar pratos são consideradas por especialistas reservatórios de bactérias e fungos se não lavadas de forma correta e trocadas periodicamente. %u201CSão focos de infecção%u201D, diz Armando Marsden, Ph.D. em bioquímica e chefe do laboratório de micologia médica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Segundo ele, a contaminação da bucha pode infectar pratos e copos e provocar diarreias em crianças.
E se você tem nojo das maçanetas de ambientes públicos, nem imagina o que pode ter no local onde põe a mão na hora de abrir a porta da própria casa. Segundo o biomédico Roberto Figueiredo, a maçaneta apresenta a mesma característica microbiológica das mãos, podendo abrigar bactérias como o Staphylococcus aureus, presente na saliva, coliformes fecais e até vírus, como o da gripe. Tudo isso sem contar com a quantidade de microorganismos carregados para dentro de casa nas solas dos sapatos. Sujeira que precisa ser levada em consideração, principalmente em casas com crianças. %u201CSe cai uma chupeta, um bico de mamadeira ou um brinquedo no chão, ele pode ficar contaminado. A criança leva esse objeto para a boca e se contamina diretamente%u201D, afirma a farmacêutica e professora do departamento de antibióticos da UFPE Eulália Azevedo Ximenes. Sabiamente, os orientais preferem deixar os sapatos do lado de fora da residência.
O cuidado com a limpeza da casa promove saúde. Mas também não precisa ficar neurótico. A infectologista do Hospital Universitário Oswaldo Cruz Polyana Monteiro lembra que as bactérias que existem nas residências são germes da comunidade, que, segundo ela, normalmente não provocam grandes problemas para a saúde. Sem contar que dois elementos precisam estar presente para quebrar o ambiente de convivência pacífica entre homem e germe: a quantidade de elemento agressor e a imunidade da pessoa.
Indivíduos com organismos saudáveis têm bem menos predisposição a esses problemas do que aqueles que apresentam vulnerabilidade no sistema de defesa, como crianças, idosos, transplantados e pessoas com doenças como o diabetes. Afinal, segundo o bacteriologista e presidente da regional pernambucana da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, Jurandi David, %u201Ca maioria das bactérias não faz mal, senão a gente não sobreviveria%u201D. E segundo Roberto Figueiredo, cerca de três quilos da nossa massa corpórea é composta por elas, as bactérias.
"Se cai um brinquedo no chão, ele pode ficar contaminado. A criança leva esse objeto para a boca e se contamina%u201D
Eulália Ximenes, farmacêutica
Perigos escondidos na cozinha de casa
Na hora de eleger o local da casa que merece mais atenção quando o assunto é germes, a cozinha é um dos pontos mais votados. Segundo o Ministério da Saúde, de todos os 5.699 surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) registrados no país entre 1999 e 2007, a maioria (34,7%) ocorreu dentro de casa. O armazenamento incorreto dos alimentos e a exposição a temperaturas inadequadas criam um ambiente propício à multiplicação de microorganismos e estão entre as causas das DTAs. A principal vilã dos casos registrados foram as bactérias, responsáveis por 83,5% dos surtos.
Segundo a infectologista Polyana Monteiro, o que mais preocupa é a conservação dos alimentos, principalmente os de origem animal, como queijos, ovos, leite e carnes. %u201CSe não forem bem conservados, eles podem favorecer a proliferação de bactérias que levam à intoxicação alimentar, que é uma das principais causas de diarreias agudas. Crianças, idosos e adultos com alguma imunodeficiência podem chegar a um quadro que requer hospitalização e uso de antimicrobianos%u201D, afirma. Para o biomédico Roberto Figueiredo, a cozinha é o local mais contaminado da casa porque recebe germes diariamente, vindos de hortaliças, carnes e caixas, por exemplo. %u201CE o local mais contaminado da cozinha é a esponja%u201D, explica.
Doutora em micologia médica, Rejane Pereira Neves orienta que frutas e verduras devem ser bem lavados e enxutos antes de serem guardados. %u201CA umidade da geladeira em conjunto com o saco plástico provoca a formação do que a gente chama de água de condensação e faz com que os alimentos sejam mais facilmente contaminados por fungos e bactérias%u201D, explica. Outra dica, desta vez da farmacêutica Eulália Azevedo Ximenes, é abolir aquela lixeirinha que não raro habita os balcões das cozinhas brasileiras. %u201CÉ um lixão numa visão micro. O lixo vai fermentar, as bactérias vão digerir aquele material e gerar uma quantidade bacteriana alta%u201D, disse.
Mãe de Beatriz, 7 anos, e Gabriel, 13 anos, a veterinária Luciana Lima de Freitas diz que toma cuidados de higiene normais. Sem exagero. Ela mantém uma lixeirinha próxima à pia, mas garante que o reservatório é sempre lavado e fica bem tampado. A limpeza da casa, diz, é feita regularmente, mas sem neuroses. %u201CMeus filhos estão sempre lavando as mãos, não colocam a mão na boca, os lixeiros ficam tampados e eu sempre lavo frutas e verduras antes de guardar, além das latas e dos potes de iogurte antes de consumir. Sou cautelosa, mas não dá para ficar numa redoma%u201D, diz. Vale a lei do bom senso.
O número
5.699
Surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos, as DTA, foram registrados entre 1999 e 2007