Brasil

Comunidades indígenas investem no turismo graças a um vácuo na Constituição

postado em 01/11/2009 08:29
Enquanto a legislação que prevê o planejamento de projetos voltados ao turismo em áreas indígenas permanece parada há 14 anos no Congresso, comunidades indígenas desenvolvem suas próprias iniciativas para receber visitantes de outras partes do Brasil e do exterior. Com a ajuda do setor hoteleiro e de governos estaduais, algumas etnias têm explorado um negócio ainda sem regulamentação graças a um vácuo constitucional. Um dos exemplos fica no Acre, especificamente na aldeia Nova Esperança. O passeio, segundo a página da agência de turismo Maanaim, garante aventuras como uma viagem de barco que pode durar até oito horas. A agência informa que, com sorte, o visitante encontra tucanos, araras, macacos e tartarugas em plena Floresta Amazônica, numa área de terra protegida por lei e preservada. É nesse local repleto de natureza abundante e inóspita que o turista entra em contato com a cultura do povo indígena Yawanawá e dela participa intensamente por quatro dias. Para isso, precisa desembolsar cerca de R$ 1,2 mil. Mas se o turista quiser acertar com a própria comunidade, o valor cai para R$ 1 mil, segundo Macilvo Yamanawá, filho do cacique. "Aqui, a gente faz as pessoas se sentirem à vontade. Elas podem participar das nossas brincadeiras, dormir nas ocas e até usar o rapé", diz o indígena, ao se referir à festa que eles realizam todos os anos e que chega a reunir cerca de 230 pessoas, entre turistas brasileiros e estrangeiros. Questionado quanto à legalidade do empreendimento, Macilvo conta que a parceria com a agência de turismo tem o aval do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira. Não é só a aldeia Nova Esperança que tem investido no ramo do turismo no Acre. Segundo o coordenador regional do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) na Amazônia Ocidental, Lindomar Padilha, o governo do estado tem um interesse especial em arrecadar recursos com o desenvolvimento turístico, sempre contando com a conivência das comunidades. "Eles querem aumentar a arrecadação de tributos em cima de uma atividade que causa um grande impacto ambiental e cultural sem nenhuma fiscalização", afirma. O missionário diz que algumas comunidades que estão sendo procuradas para começar o negócio temem pela "novidade" e pela incerteza de não poderem voltar atrás depois de tomada a decisão. "O que se está propondo é observar essas culturas, consideradas exóticas, como se fossem algo sobre-humano. Eles não são animais, devem ser tratados e respeitados como merecem", defende. A advogada do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socio Ambiental, Ana Paula Caldeira Souto Maior, concorda com Padilha: "Além de não ter legislação que regulamente essa situação, atividades como essas não podem ser exercidas por terceiros em terras indígenas. Também não deve ocorrer descontrole com relação aos impactos que elas representam tanto do ponto de vista ambiental quanto cultural", salienta. Apesar de nenhuma regulamentação, a Funai alega que tenta fiscalizar todas as atividades econômicas praticadas dentro de áreas indígenas, mesmo tendo um número insuficiente de funcionários. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão não soube quantificar os casos envolvendo empreendimentos turísticos em áreas indígenas e nem qual o grau de vulnerabilidade a que as comunidades poderiam estar submetidas. Raposa também quer visitantes Apesar de uma das regras do Supremo Tribunal Federal (STF) como condição de permanência na reserva indígena Raposa Serra do Sol proibir o ingresso, trânsito e a permanência de não índios com cobrança de tarifa, os membros da comunidade sonham em implantar um projeto turístico na área. Segundo o coordenador do Conselho Indigenista de Roraima, Dionito José de Sousa, da etnia Macuxi, o grupo já está preparando indígenas com formação em turismo para levar o projeto adiante e garantir a sobrevivência econômica da comunidade. "Não vamos deixar de garantir nosso sustento dentro da nossa terra", defende. Os índios - cerca de 18 mil - já têm, inclusive, uma cooperativa que vem discutindo o tema desde o início do ano. A Funai na região ainda não foi convidada para tratar do assunto. O secretário executivo do órgão, Gonçalo dos Santos, reforça que a Constituição prevê o uso sustentável da terra, mas não trata, especificamente, da exploração turística. "A atividade continua proibida até que haja uma lei, mas, enquanto isso, os órgãos competentes (Funai e Ministério da Justiça) têm que monitorar para evitar qualquer situação que traga perigo às comunidades".

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação