postado em 02/11/2009 09:39
O desabafo emocionado do produtor cultural Luiz Fernando Prôa, pai de Bruno de Melo, que estrangulou uma amiga até a morte enquanto estava sob efeito de crack, no Rio de Janeiro, funciona como um alerta. ;Meu filho começou na droga pelo álcool, no colégio. (...) Vi um bom menino se transformar em assassino;, disse. O caminho percorrido pelo garoto de 26 anos, atualmente preso, ainda é o mais habitual, alertam especialistas. Num país onde um terço da população bebe de forma abusiva, segundo dados recentes da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), o álcool funciona como sedutora porta de entrada para substâncias mais pesadas. Entretanto, com a proliferação do crack, essa rota do consumo tem sido modificada, tornando comuns casos de usuários que pulam etapas.;Há, sim, pessoas que se atrevem a experimentar de cara o crack, apesar de o caminho geralmente começar na bebida. Essa precipitação tem a ver com a disponibilidade impressionante dessa droga;, afirma Carlos Salgado, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead). Para Cecília Motta, psicóloga clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do projeto Refugiados Urbanos, que atende meninos de rua do centro de São Paulo, a sequência de experimentação de drogas é muito pessoal. ;Tem a ver com o contexto onde a pessoa está inserida. Na rua, por exemplo, a cola se faz muito presente. Hoje, o crack também. Mas nem todo mundo gosta. Há meninos que experimentaram e não tiveram afinidade;, ressalta a especialista.
Camila Magalhães Silveira, psiquiatra do Hospital das Clínicas em São Paulo e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), esclarece que a progressão do uso de drogas elaborada pelo pesquisador James Anthony, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, é a mais aceita atualmente. ;Indivíduos que fazem uso de álcool têm três vezes mais chances de consumir maconha. A partir daí, a probabilidade de utilizar cocaína é 11 vezes superior em relação a quem não fuma maconha. Quanto ao crack, não há mensuração. Mas podemos dizer, pela observação, que passar para a próxima etapa tem muito a ver com a renda do usuário;, diz a psiquiatra. ;Como a cocaína é uma droga cara, mesmo o consumidor mais abastado e muito dependente acaba se rendendo ao crack.;[SAIBAMAIS]
Abrangência
Onze vezes mais estimulante que a cocaína, apesar de o efeito durar apenas oito minutos, o crack acaba levando a uma repetição de uso incontrolável. ;É uma ciranda, na medida em que a curta duração e o preço baixo induzem a mais uma dose sempre;, explica Salgado. De acordo com o médico, a abrangência da droga chegou a níveis tão altos que se tornou impossível traçar um perfil do usuário. Antes formado por pessoas de baixo poder aquisitivo, socialmente desestruturadas, hoje a droga chegou a todas as classes. ;Embora a grande massa continue sendo de jovens em situações de vulnerabilidade, já atendo técnicos de enfermagem, colegas de profissão. O perfil, sem dúvida, está se alargando;, afirma o psiquiatra. Um estudo em fase final, conta Salgado, traçará quem é o consumidor de crack no Brasil.
Embora a grande massa continue sendo de jovens em situações de vulnerabilidade, já atendo técnicos de enfermagem, colegas de profissão. O perfil, sem dúvida, está se alargando;
Carlos Salgado, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas
Para saber mais
Estimativas imprecisas
As autoridades policiais brasileiras não têm estimativas precisas sobre o volume de crack que circula no país, mas o número de apreensões denota a gravidade do problema. Segundo o relatório sobre o uso de drogas da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006 foram apreendidas 145 toneladas de crack no país. Em 2007, esse total chegou a 578 toneladas.
Mesmo sendo uma droga de alto poder destrutivo e que já existe há pelo menos 20 anos, somente nos últimos três anos as polícias estaduais começaram a fazer o controle estatístico. Em São Paulo, onde se localiza a Cracolândia, o maior centro de consumo da droga do país, as apreensões cresceram 370% no ano passado em relação a 2007. Na Bahia, o aumento foi de 140% comparando-se 2007 com 2008.
No Paraná, há cinco anos, a polícia retirou das ruas 118 mil pedras de crack, enquanto no ano passado as apreensões chegaram a 1,3 milhão de pedras. No Rio Grande do Sul, o problema vem sendo tratado com preocupação intensa, já que a estimativa é de que estejam circulando pelas cidades gaúchas mais de 140 quilos da pedra mensalmente.