Com a imagem já desgastada depois das duas denúncias de violação de suas provas ; uma em 20 de outubro, no interior do Rio de Janeiro, e outra no último dia 4, na Paraíba ;, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) deixou a desejar em itens essenciais como segurança e organização no dia da aplicação de suas provas, realizadas ontem por quase 1,1 milhão de graduandos matriculados em 7.080 cursos de 1.807 diferentes instituições situadas em 997 municípios de todo o país. No Distrito Federal, onde foram convocados cerca de 35 mil universitários ingressantes e concluintes, a Consulplan, empresa contratada para viabilizar a avaliação, enviou o endereço errado para a maioria dos quase 900 alunos que se submeteram ao teste no Colégio Gisno, localizado na Asa Norte. Em vez de SGAN 907, os estudantes receberam como local SGAS 907, na Asa Sul. O mesmo equívoco também foi registrado em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Petrolina (PE).
Depois de um protesto, pelo menos 30 estudantes que foram à Asa Sul conseguiram autorização para prestar o exame, mesmo depois das 13h, horário limite para o fechamento dos portões. O primeiro a chegar no Colégio Gisno após o início das provas foi Flávio Silva, 25 anos, que cursa administração na Faculdade Projeção. ;Desde as 12h30 estava na Asa Sul tentando localizar o endereço que recebi em casa. Somente depois que um vendedor de cachorro-quente me alertou onde ficava o Gisno é que vim para cá. Assim como eu, muitas pessoas também estavam perdidas;, diz. Morador do Lago Norte, Flávio classifica como absurdo o erro. ;Poderia ter ficado sem o meu diploma. Ainda bem que deixaram a gente entrar.;
Logo que Flávio recebeu a negativa do porteiro do colégio para entrar, outros universitários começaram a se aglomerar em frente ao portão principal da escola. A estudante do 9; semestre de administração da Universidade de Brasília (UnB) Ingred Castro, 27 anos, chegou sem fôlego e desesperada. ;Isso não é coisa que se faça. Estou grávida e precisei tomar remédio para me acalmar. Não há nem palavras para descrever esse erro. Tinha muita gente lá que estava de ônibus e não teve como vir para cá;, conta.
Responsável pela organização do Enade, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), reconhece o problema e afirma que a Consulplan tomou conhecimento da falha desde 14 de outubro. ;No dia 16 foram enviados telegramas para as pessoas que receberam o endereço errado. Além disso, a empresa enviou um representante para a SGAS 907 para orientar os alunos sobre o equívoco. Quem estava sem carro ou chegou depois das 13h30 teve o nome lavrado em ata como participante do exame e não será prejudicado. Registramos 40 universitários nessa situação;, afirma a assessoria do Inep. Em nota, o presidente do órgão, Reynaldo Fernandes, esclarece que os estudantes não terão nenhum prejuízo e receberão atestados de dispensa.
Desorganização
Apesar do esclarecimento do Inep, todos os estudantes ouvidos pelo Correio antes e depois do fechamento dos portões do Colégio Gisno não receberam qualquer telegrama e tampouco viram o representante da Consulplan nas intermediações da SGAS 907. ;Não recebi nenhum telegrama. A sorte é que percebi o erro ao não encontrar o Gisno pelo Google Maps na Asa Sul;, observa Emanuel Souza, 22, aluno de administração do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). ;A sorte é que recebi o e-mail de um coordenador da faculdade alertando sobre a troca de endereço;, completa Lígia Gomide, que também cursa administração no Iesb.
No Centro de Ensino Fundamental 7, na 912 Norte, um estudante de comunicação da UnB conseguiu sair da sala com o caderno de provas antes do horário permitido. Sem revelar o nome, o aluno mostrou a avaliação por volta das 13h50, quando o autorizado é levar o material depois das 16h, uma hora antes do término para responder todas as 40 questões do Enade.
"Estou grávida e precisei tomar remédio para me acalmar. Não há nem palavras para descrever esse erro"
Ingred Castro, 27 anos, estudante de administração da UnB
UNE dá trégua a protestos
Diferentemente dos dois últimos anos, quando defendeu o boicote ao Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), a União Nacional dos Estudantes (UNE) decidiu conceder uma trégua em 2009 nos protestos e deu um voto de confiança ao Ministério da Educação (MEC). ;Isso só foi possível depois de conquistarmos a relativização do peso do exame nas últimas notas que foram divulgadas. O Enade passou a ser considerado uma nota que está incorporada numa avaliação dos cursos, e onde foram aglutinados outros elementos, como os índices criados que inserem, por exemplo, na pontuação de alguns cursos, a questão do espaço democrático dos alunos dentro da instituição de ensino;, explica o presidente da UNE, Augusto Chagas.
Apesar de não ter orientado o boicote ao Enade, a UNE é contra a obrigatoriedade do estudante realizar o exame. De acordo com a entidade, o objetivo não é avaliar o estudante de forma individual, e sim, o curso. ;Deve ser opcional. Não faz sentido o universitário ser obrigado a se submeter a um teste que vai medir o nível de excelência coletivo;, critica Chagas. ;Além disso, o exame não deve criar um ranking e acirrar a concorrência entre as instituições de ensino. É muito mais do que isso;, acrescenta.
O representante dos estudantes também pondera que é necessário avançar em outros setores. ;Precisamos identificar limitações nos cursos universitários, definir políticas de investimentos e termos de ajuste de conduta para que algumas faculdades possam se comprometer a estabelecer um padrão mínimo de qualidade;, cobra.
Gabarito
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) já disponibilizou em seu site (http://enade2009.inep.gov.br) os gabaritos preliminares do Enade. Os resultados estão sujeitos a alterações, caso haja recurso considerado procedente pelas comissões que elaboraram as provas. (RC)
Povo fala
Você acha que o Enade realmente avalia o desempenho dos estudantes com relação aos conteúdos?
Daniel O;donnell, 19 anos, aluno do 2; semestre de comunicação social do Uniceub, morador da Asa Norte
;Claro que não. Uma mesma prova não tem como medir o conhecimento dos estudantes que estão entrando na faculdade e dos que estão se formando. Deveriam ser avaliações diferentes;
Janine Moraes, 21 anos, aluna do 9; semestre de jornalismo da UnB, moradora da Asa Norte
;Não dá para confiar num exame sem organização e segurança. Não exigiram a apresentação da identidade na entrada e na distribuição dos cadernos. E todos ficavam rindo durante a prova;
Luís Souza, 20 anos, aluno do 3; semestre de comunicação social do Uniceub, morador do Sudoeste
;Com certeza. É uma das poucas formas de verificar o ensino superior no Brasil. Achei a prova fácil. Das 40 questões, respondi 32;
Andressa de Lima, 19 anos, aluna do 2; semestre de comunicação social do Uniceub, moradora do Sudoeste
;Acredito que sim. Se não fizermos o Enade, como vão medir nossos conhecimentos? Chamei a polícia porque tinha alunos tentando atrapalhar quem decidiu fazer a avaliação de forma séria;
Maurício Caetano, 23 anos, aluno do 8; semestre de comunicação social do Uniceub, morador do Park Way
;A maioria das questões eu chutei porque a prova não avalia o conteúdo dos alunos em quase nada. Serve apenas para criar um ranking entre as instituições de ensino superior;
Grace Kelly, 25 anos, aluna do 2; semestre de comunicação social do Uniceub, moradora da Asa Norte
;Sim. Quem está interessado em melhorar o ensino no país faz o Enade. A única crítica que faço ao exame é que deveria haver duas provas: uma para os ingressantes e outras para os formandos;