Mirella D'Elia
postado em 19/11/2009 07:58
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a extradição de Cesare Battisti para a Itália, a batalha judicial cedeu espaço à guerra política e diplomática para sensibilizar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vai dar a palavra final sobre a situação do ex-ativista. Por maioria apertada ; 5 votos contra 4 ;, o STF ontem decidiu pela volta de Battisti à Europa. Pelo mesmo placar, determinou que cabe a Lula encerrar a discussão. Logo após o pronunciamento da Suprema Corte, a defesa de Battisti e o governo da Itália deram mostras de que não vão descansar até o fim da polêmica. Representantes do governo italiano comentaram em plenário que vão procurar saídas diplomáticas para a questão antes de deflagrar novas investidas jurídicas. ;Eu não tenho dúvidas de que o presidente da República dê cumprimento a uma lei em vigor e aos compromissos internacionais firmados com a Itália, o que significa, em última análise, a credibilidade do país no que diz respeito às suas relações internacionais;, disse o representante do governo italiano, o advogado Nabor Bulhões. Já os responsáveis pela defesa de Battisti vão pedir uma audiência com o presidente Lula. ;Se ele puder me atender, gostaria de expor elementos jurídicos para que ele não determine a extradição;, disse o advogado Luís Roberto Barroso.
O presidente Lula não vai se pronunciar por enquanto. Ontem, o ministro da Justiça, Tarso Genro, comentou a decisão em nome do governo. ;O que fica claro é que o que está mudando não é a posição do Ministério da Justiça e nem a posição do Executivo, o que está mudando é a posição do Judiciário.;
O julgamento, iniciado em setembro, foi encerrado ontem com o presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Foi ele quem deu o voto de minerva, formando a maioria em defesa do retorno de Battisti.
O clima esquentou entre os ministros, principalmente quando o assunto mais delicado entrou em pauta: os limites do presidente Lula ao decidir sobre processos de extradição. Mendes, primeiro a falar sobre o caso, defendeu que o presidente deveria seguir a decisão da Corte, autorizando a extradição (leia reportagem na página 15), porque há um tratado firmado entre os dois países. O presidente foi seguido pelos ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie. ;Não há, a meu ver, a última palavra do Executivo na existência de tratado;, disse Peluso.
Já os ministros Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa e a ministra Cármen Lúcia defenderam posição contrária, a de que o presidente Lula tem liberdade para decidir. ;Quando o Supremo declara a viabilidade da extradição, não pode impor ao presidente da República a entrega do extraditando;, disse Ayres Britto.
[SAIBAMAIS]Comemoração na Itália
O chanceler italiano Franco Frattini manifestou ontem, em Roma, a ;grande satisfação; de seu país com a decisão favorável do Supremo Tribunal Federal de extraditar para a Itália o ex-militante Cesare Battisti. ;Meu primeiro pensamento se dirige às famílias das vítimas de Battisti, que veem, enfim, reconhecido seu direito legítimo de obter justiça;, destacou o ministro em comunicado. A rápida reação da Itália foi interpretada como uma forma a mais de pressão ao presidente Lula. ;Não tenho dúvidas de que o chefe de governo de um país amigo acatará a decisão do Supremo Tribunal;, ressaltou o ministro da Defesa, Ignazio La Russa.
Como votaram os ministros
A favor da extradição
Cezar Peluso
Primeiro a votar, em setembro, defendeu a extradição de Battisti para a Itália. Disse que a concessão de refúgio ao italiano foi ilegal. Acrescentou que não há provas suficientes de que o italiano sofre perseguição política em seu país. E rebateu o argumento da defesa de que os crimes já teriam sido prescritos. ;Não há nenhuma dúvida de que lhe foram assegurados todos os direitos de defesa;, disse.
Ricardo Lewandowski
Acompanhou o relator. Argumentou que a convenção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e a Lei dos Estrangeiros têm cláusula que permite a extradição quando o crime é comum e não político ; o que para ele, seria o caso de Battisti. Afirmou que os crimes foram cometidos com premeditação e o ;mero sentimento de vingança;. Também refutou o argumento de que Battisti não teve amplo direito de defesa.
Ellen Gracie
Também votou pela extradição de Battisti. Reforçou que é competência do STF decidir se o crime cometido é comum ou político: ;O estatuto do estrangeiro esclarece que caberá exclusivamente ao Supremo a apreciação do caráter de extradição;.
Carlos Ayres Britto
Disse que o relator mostrou haver justificativas suficientes para a extradição. Entendeu que não há fundamento para o temor de que Battisti será perseguido na Itália. ;Quando a lei diz que será reconhecido como refugiado todo indivíduo que tenha fundados temores de perseguição, são temores demonstrados e não subjetivamente colocados. Procurei reler a decisão do ministro da Justiça e encontrei algo que contradiz o princípio de temor de perseguição. É algo mais do que duvidoso;, disse
Gilmar Mendes
Ontem, o presidente do STF também defendeu o retorno do ex-ativista à Itália. Disse que a extradição não pode ocorrer quando trata-se de crime político ; o que não é o caso. ;Certas espécies de crime, não obstante objetivos políticos, não podem ser considerados crimes políticos. Levado às últimas consequências, poderíamos ter casos de estupro, pedofilia, tortura e genocídio tratados como crimes políticos;, declarou Mendes. Como exemplos, citou as ações da Ku Klux Klan e os assassinatos da missionária Dorothy Stang, de Chico Mendes e de Martin Luther King. ;São crimes com fortes conotações políticas, mas isso não é suficiente para considerá-los políticos;, completou.
Contra a extradição
Eros Grau
O ministro declarou que votaria pelo arquivamento do processo de extradição, já que o réu havia recebido a condição de refugiado político. Na avaliação do ministro, não houve irregularidade na decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio a Battisti. Ele antecipou o voto e deixou o plenário antes do término do julgamento.
Marco Aurélio Mello
Único a votar na semana passada, falou durante quase três horas para votar contra a entrega de Battisti. A decisão do Ministério da Justiça, sustentou, sequer poderia entrar em discussão. ;Não cabe ao Supremo Tribunal Federal perquirir o acerto ou desacerto do ato do Executivo, que reconhece o refúgio. É um fato a ser constatado;, disse. ;A visão do ministro da Justiça mostrou-se, acima de tudo,
realista e humanitária, atendendo a noções consagradas internacionalmente;, completou.
Cármen Lúcia
A ministra acompanhou a divergência e disse que não cabe ao STF rever a legalidade da decisão do ministro da Justiça. ;Revisar este ato não é de competência do STF", disse. Como a lei brasileira prevê que refugiados não sejam extraditados, ela votou pelo arquivamento. ;Não vejo elemento que pudesse viciar o processo de concessão de refúgio;, concluiu.
Joaquim Barbosa
Disse que a concessão de refúgio é um ato político e, por isso, não cabe ao STF julgar se a decisão do Executivo está correta ou não. Acrescentou que o presidente da República não pode entregar um extraditando sem autorização do tribunal, mas lembrou que, após a autorização, o chefe do Executivo pode decidir pela não-extradição. ;Concessão de refúgio é assunto político;.