Brasil

STF discute proposta para alterar regras de extradição

A ideia é tirar do plenário a tarefa de analisar situações como a do ex-ativista italiano. Ministro Joaquim Barbosa acha que demora em tomar decisões ajuda a paralisar a Corte

Mirella D'Elia
postado em 21/11/2009 10:52
Em meio à polêmica sobre a extradição do italiano Cesare Battisti, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute uma proposta que também vai dar muito o que falar. Há ministros insatisfeitos com a forma como esse tipo de processo é decidido hoje. A principal reclamação é que a demora para concluir os julgamentos atrasa outras decisões e só engorda o bolo de ações paradas à espera de um desfecho. Instância máxima da Justiça brasileira, o STF recebe mais de 100 mil ações todos os anos. Hoje, há 49 pedidos de extradição à espera de decisão.

A mudança é defendida abertamente pelo ministro Joaquim Barbosa e, segundo ele, conta com o apoio de Celso de Mello, o decano (o ministro mais antigo) do Supremo. Na tentativa de acelerar o julgamento de extradições, a ideia é tirar do plenário e transferir para as turmas(2) a tarefa de analisar os processos. Na última quarta-feira, enquanto o STF discutia o futuro de Battisti, Barbosa queixava-se no intervalo da sessão. ;O Supremo tinha tanta coisa para julgar e está na terceira sessão só para decidir uma extradição. Isso ajuda a paralisar o tribunal;, disse, contrariado.

O ministro acha que, para desafogar o Supremo, o modelo ideal seria o adotado em outros países, como a Alemanha, em que tribunais de segunda instância são responsáveis pelos julgamentos de extradição. Mas, ressalta, seria preciso que o Congresso aprovasse uma emenda constitucional. Por isso, sugere pelo menos uma modificação interna, que, em tese, seria mais fácil de sair do papel. ;Se as turmas decidissem (processos de extradição), seria uma forma de julgar mais rapidamente;, defendeu.

Barbosa deu um exemplo prático de como as discussões sobre extradição mudam a rotina dos integrantes do Supremo. Disse que, devido ao caso Battisti, um processo relacionado a direito tributário relatado por ele e que já tinha entrado em pauta cinco vezes novamente não foi analisado na quarta-feira. De acordo com dados do STF, sozinha, a Segunda Turma julgou 9,2 mil processos no ano passado ; quase o dobro do total de ações decididas em plenário no mesmo período (4,7 mil). Na Primeira Turma, o número de decisões chegou a 4,2 mil.

No julgamento sobre Battisti, realizado em três sessões, o Supremo autorizou a extradição, mas deixou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a palavra final. Ontem, Lula disse que já tomou uma decisão (leia a reportagem abaixo). O placar foi apertado: 5 votos contra 4 nas duas discussões. A decisão demorou dois anos e meio para sair ; o pedido de extradição do ex-ativista chegou à Corte em maio de 2007. Battisti é acusado de quatro homicídios cometidos no fim dos anos 70, quando liderava o grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).

Para que possa valer, a proposta de Barbosa precisa ser aprovada pelos outros ministros, pois o regimento interno do tribunal teria que ser alterado. O assunto já foi tema de conversas, mas não há consenso. Na Corte, há quem sustente que as discussões acaloradas e as opiniões divididas sobre o caso Battisti acabem ;congelando; a possibilidade de mudança. Pelo menos por enquanto. Para o ministro Carlos Ayres Britto, o plenário é o ambiente ideal para a discussão de temas importantes como soberania nacional e direitos humanos. ;Há muitos valores constitucionais em jogo. Mandar para as turmas, em primeira análise, seria apequenar a importância da extradição. Minha inclinação é que fique no plenário;, disse. O ministro Marco Aurélio Mello também é contra a proposta.

1 - Requisitos para a extradição
Segundo a Constituição, estrangeiros que entram no Brasil após cometer crimes em outros países podem ser extraditados para qualquer nação onde tenham desrespeitado a lei, desde que sejam preenchidos os requisitos legais para isso. Por outro lado, o texto constitucional assegura que o brasileiro nato nunca será entregue pelo governo brasileiro a outra nação para cumprir pena por crimes cometidos naquele território. Já o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em duas situações: se praticou crime comum antes da naturalização e se for comprovado o envolvimento em tráfico de drogas. O estrangeiro só não poderá ser extraditado por crime político ou de opinião.

2 - Nem tudo vai a plenário
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem duas turmas, cada uma com cinco ministros cada. O regimento diz que o presidente não participa de nenhuma das turmas. Esses tribunais dentro do tribunal julgam, por exemplo, habeas corpus e outros tipos de recurso. As sessões são realizadas duas vezes por semana. Já o plenário é composto por todos os 11 ministros.

Lula já tem decisão
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que já tomou uma decisão sobre o futuro do ex-ativista italiano Cesare Battisti. Mas não revelou qual será a posição adotada por ele. Na quarta-feira, por maioria apertada (5 votos contra 4), o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a extradição de Battisti. Pelo mesmo placar, definiu que caberá a Lula a palavra final sobre o imbróglio. ;Eu já tenho (uma decisão). Não posso (adiantar). Só posso me manifestar nos autos do processo;, disse o presidente, em entrevista a emissoras de rádio durante visita a Salvador.

Lula declarou estar tranquilo. ;Quem já passou pelo que eu passei, já fez o que eu já fiz não vai ficar preocupado com o caso Battisti. É mais um caso;, minimizou. Ele também aproveitou para comentar a polêmica em torno do julgamento do Supremo. ;Eu só estou aguardando que o tribunal entenda o que ele decidiu. Na hora que ele fizer a comunicação, eu vou sentar tranquilamente e tomar a minha decisão. E aí o mundo inteiro vai saber o que eu decidi.;

A discussão sobre até onde vai a liberdade do presidente da República dividiu opiniões e esquentou os ânimos na quarta-feira. Depois do resultado, o próprio presidente da Corte, Gilmar Mendes, destacou que a discussão não está encerrada.

Lula criticou ainda a greve de fome anunciada pelo italiano, que está preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. ;Já disse para ele (Battisti): ;Pare com essa greve de fome;. Eu já fiz greve de fome, ou é um ato de desespero ou um ato de ignorância. Jamais faria outra vez. Isso não ajuda. Não estamos no momento de ficar recebendo esse tipo de pressão.;

Saída
Apesar de não haver uma posição oficial do governo brasileiro, o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Casa Civil continuam buscando uma saída jurídica para tentar manter Battisti no Brasil. A estratégia é estudar de que forma o Brasil pode negar-se a mandar o italiano de volta para a Europa sem ferir o tratado bilateral firmado com a Itália.

A defesa da Itália está em compasso de espera. Antes de qualquer movimento, aguarda o acórdão (publicação da decisão) do Supremo para, se for o caso, questionar possíveis pontos obscuros. Acima de tudo, os advogados dizem confiar no bom senso do presidente. E lembram que, se ele não fundamentar uma possível negativa da extradição, pode responder a crime de responsabilidade. Enquanto isso, parlamentares contrários à extradição encaminharam uma carta ao Palácio do Planalto pedindo para serem recebidos pelo presidente Lula. O grupo, integrado por cerca de 20 deputados e senadores, acredita que Lula tem argumentos técnicos para manter o refúgio político a Battisti.

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