Quatorze dias de golpe militar foram o suficiente para exonerar Paulo Freire do cargo de coordenador do Plano Nacional de Alfabetização. Era o início de uma perseguição pesada dos ditadores que custou a um dos maiores educadores do mundo 16 anos de exílio ; tempo em que rodou por diversos países difundindo o seu método pedagógico. Ontem, as autoridades brasileiras consideraram o pernambucano um anistiado político. Por decisão unânime de 18 conselheiros da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, foi declarado o pedido oficial de desculpas do Estado a Freire, morto em 1997 devido a um infarto. A viúva dele, Ana Maria Araújo Freire, receberá uma indenização de R$ 100 mil ; teto da prestação única, que prevê 30 salários mínimos para cada ano de liberdade cerceada.
Para Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia, a decisão de ontem tem dupla simbologia. ;Serve para resgatar os ideais que ele tanto apregoou por meio de uma educação libertadora, que focaliza o ser humano como centro de tudo. Mas é também um pedido de desculpas a cada brasileiro que não aprendeu a ler e a escrever talvez devido à perseguição que Paulo Freire sofreu. Sem dúvida, tivemos um prejuízo social incalculável;, ressalta. O método do educador, explica Abrão, representava uma ameaça ao regime, ao estimular a formação de uma consciência crítica e combater a alienação.
No primeiro Ato Institucional depois do golpe, o AI-1, Freire já começou a ser atacado. Foi exonerado da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco, onde trabalhava como professor. Em seguida, perdeu assento na Comissão Estadual de Educação, até ser retirado da coordenação do Plano Nacional de Alfabetização. O educador ficou preso por 70 dias antes do exílio.
Chile, Estados Unidos, Suíça e Moçambique foram alguns dos países pelos quais ele passou. Em 2007, a viúva de Freire protocolou o pedido de anistia política no governo federal. Ana Maria, que acompanhou a audiência ontem, em Brasília, ficou emocionada com o resultado. ;Paulo Freire, sua cidadania foi retomada como você queria, e proclamada como você merecia;, destacou.
Para saber mais
Dedicado à alfabetização
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Nascido em 19 de setembro de 1921, Paulo Reglus Neves Freire devotou grande parte da vida à alfabetização das pessoas mais pobres. Depois da experiência no município de Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores aprenderam a ler e a escrever em apenas 45 dias, em 1963, o método Paulo Freire consolidou-se e passou a influenciar o pensamento pedagógico em diversos lugares do mundo. A ideia do educador era alfabetizar por meio de diálogos a respeito de temas sociais que fizessem parte do dia a dia dos alunos. A metodologia opunha-se à simples memorização de letras, palavras e sinais.
O trabalho autêntico visando a capacitação das pessoas tanto na questão formal quanto na formação de uma consciência crítica foi classificado como pedagogia da libertação ; o que não agradou em nada ao regime militar vigente na época. Enquanto a ditadura brasileira classificava o método de subversivo, Paulo Freire o difundia em diversos países como convidado. Em 1969, trabalhou como professor na renomada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em estreita colaboração com numerosos grupos engajados em novas experiências educacionais, tanto em zonas rurais quanto em urbanas. (RM)
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