postado em 30/11/2009 09:04
Barrinha (SP) ; Um bar, 25 quilos, o marido, alguns dentes e a possibilidade de fazer sexo apenas quando tem vontade. São muitas as perdas contabilizadas por Margarida* desde que experimentou pela primeira vez o crack, sete anos atrás. Hoje, a moradora de Barrinha, município com pouco mais de 20 mil habitantes no interior de São Paulo, passa o dia bebendo em cubículos espalhados pela cidade e imaginando formas de conseguir a droga. Entre um trago e outro, a mulher de 38 anos faz alguns programas em troca de R$ 20 ; valor máximo que recebe. ;É um saco de arroz e uma pedra;, calcula Margarida, mãe de três filhos, dos quais o caçula tem hidrocefalia.Na esteira do vício que assola o país, a prostituição, o aumento de crimes violentos e a disseminação de doenças como a Aids são apenas alguns dos problemas associados. Margarida tem consciência da degradação em que vive. ;Meu menino é doente, precisa de mim. Sei que estou errada. Mas não consigo mais parar;, conta a mulher. Quando não consegue clientes na pequena cidade em que nasceu, cuja boa parte da população é de trabalhadores da lavoura de cana-de-açúcar, Margarida vai para as margens da SP-253. A rodovia movimentada não costuma deixar a mulher na mão. Depois do programa, é só voltar para o centro de Barrinha atrás de alguma das muitas bocas de fumo e comprar o crack.
;Aqui a pedra custa R$ 10, antes era R$ 5. Mas fizeram tipo um tabelamento;, reclama Margarida. Com a gíria típica dos usuários de crack, ela conta como o vício está disseminado. ;Tem muito noia na cidade, em todo lugar você vê;, afirma. Para Margarida, os dois últimos anos como ;noia; foram os mais devastadores. ;Já fumei um bar. Era um bar de mulher, sabe? Quando engrenei na pedra direto, o bar virou fumaça;, destaca. Nas noites com mais oferta de programas, Margarida chega a fumar 20 pedras. ;Uma vez eu desmaiei, tenho problema de pressão;, explica. O sexo com caminhoneiros e cortadores de cana, segundo ela, não é bom. ;Mas pelo crack a gente faz tudo;, resume.
Adolescente em ruínas
A pele clara, o rosto bem desenhado e o jeito de menina fazem sucesso. Com 16 anos, Carolina* troca a noite pelo dia. Morando no único cômodo de uma casa em ruínas em que há teto, na companhia de uma amiga, dois cachorros e muito lixo, a menina costuma acordar depois das 12h. ;Teve vezes de eu levantar às 19h;, lembra. De madrugada, é hora de consumir o crack. Para conseguir dinheiro, usa a beleza ainda preservada pelo pouco tempo de vício. ;Sempre tem os coroas que procuram a gente;, diz, um pouco tímida. Reunida com colegas, ela já chegou a gastar R$ 500 em pedra numa única noite.
Desde que conheceu o crack, depois de usar cocaína em pó, Carolina largou a escola, em Barrinha, onde cursava a 7; série. Vez por outra, aparece na casa da mãe. ;Não queria que ela soubesse, mas ela acabou descobrindo;, afirma. A menina conta que começou fumando maconha, até ser enviada pela família a Ribeirão Preto, para ficar com uma irmã. ;Ela achou que eu estava aprontando demais aqui e me mandou para lá. Mas foi pior. Em Ribeirão conheci o pó e a pedra;, lembra. De volta a Barrinha três anos depois, a vida se divide entre noite, hora de se prostituir para fumar, e o dia, momento de descansar para a próxima jornada.
Indigência e morte
Quase 40% dos municípios do interior capixaba, excluindo os sete que compõem a região metropolitana, registraram homicídios de janeiro a outubro deste ano. O mais alto índice já verificado no Espírito Santo é atribuído pelo secretário estadual de Segurança Pública, Rodney Miranda, à proliferação da pedra elaborada dos restos da cocaína. ;De 70% a 80% das mortes violentas têm relação direta com drogas, sendo a maior parte o crack;, diz. Para o especialista, o principal desafio no combate à pedra está em sua pulverização pelo país.
[SAIBAMAIS];Com o acesso fácil, a oferta aumenta, o preço cai e o número de consumidores cresce. Aí temos a questão do vício incontrolável, que culmina nos problemas sociais, como prostituição e crimes violentos. Aí o cara já faz qualquer coisa pela pedra, inclusive roubar e matar;, afirma Rodney.
A realidade é semelhante no Rio Grande do Sul. Cresceu de 2% para 55% o índice de jovens envolvidos em ocorrências policiais que estavam sob o efeito do crack. No Paraná, a cada 10 homicídios, 8 estão ligados ao tráfico. Psiquiatra do Hospital das Clínicas em São Paulo e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), Camila Magalhães explica que, por ser uma droga estimulante, o crack atinge diretamente a região do cérebro ligada a atividades prazerosas e vitais, como fazer sexo, comer e tomar água.
;Talvez venha daí o desejo desenfreado de continuar usando. Os danos levam rapidamente o dependente a viver como indigente. O crack desumaniza o indivíduo;, lamenta Camila. A psiquiatra destaca que a expectativa de vida do usuário gira em torno de oito anos, de acordo com estudos preliminares já realizados no país. ;Não por questões essencialmente de saúde, mas sim por homicídio;, diz a médica. Rodney ressalta que o preço, muito apregoado como barato, acaba saindo caro para o dependente. ;Para quem precisa fumar 10 pedras por dia, sai caro;, destaca o secretário.
O número
R$ 500 - Quantia gasta por Carolina* e as amigas, em apenas uma noite, com o crack
*Nomes fictícios