Daniel Antunes
postado em 22/12/2009 15:11
No início de 2009, José Nascimento Belizário, de 65 anos, se despediu da família com um caloroso abraço. Voltou para os Estados Unidos, onde vive há cerca de 20 anos, mas, antes, prometeu voltar no fim do ano para novamente passar com a esposa, filhos e netos as festas de Natal e reveillon. Mas ele não contava com a crise, que começou na América e se alastrou pelo resto do planeta. No mês passado, ligou para a família, em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, e confirmou que não voltaria para as festividades. O motivo dele e de outros milhares de brasileiros que vivem no exterior é a falta de trabalho e renda. ;Ele disse que o ano foi difícil e não teve como economizar o necessário para rever a família. Ficamos todos muito tristes, mas estamos otimistas e acredito que em março ele vai conseguir comprar a passagem para visitar a terra natal;, contou a esposa de Belizário, a dona de casa Irani Coelho Belizário, de 61.[SAIBAMAIS]Essa seria a terceira vez que Belizário passaria o fim de ano com a família. Depois de viver 18 anos ilegalmente em Danbury, no estado de Connecticut, ele enfim conseguiu o Green Card (documento de permanência nos EUA) e o seu projeto era passar mais tempo ao lado da esposa. Este ano Belizário tinha um motivo a mais para isso. A neta, que ele conheceu quando ela tinha apenas quatro meses, hoje com pouco mais de um ano, aprendeu a falar ;vovô;. ;Quando conversamos pelo telefone ele fica emocionado ao saber das novidades da neta. Fala que gostaria muito de estar com a gente. Com certeza nosso natal não será completo. Fica um vazio e uma dor muito grande da saudade;, contou Irani.
Se as vendas de passagens para o Brasil, que costumavam movimentar o comércio das agências nos EUA, servem de indicativo, o Natal será mesmo atípico em Valadares e região. ;Tradicionalmente, as buscas pelas passagens começam em setembro e vão até novembro, quando aumentamos em até 100% as vendas. Este ano o movimento está muito fraco e as passagens estão sobrando. Inclusive devem surgir promoções das companhias aéreas para estimular os clientes;, contou João Carlos Moura, dono de uma agência na cidade de Lowell, em Massachusetts. ;As pessoas estão reclamando da falta de trabalho. Este ano enfrentamos uma inversão do que acontecia. Vendemos muitas passagens só de ida para o Brasil no período da crise, numa época em que as vendas eram mais fracas. Agora, quando esperávamos lucros com o período das férias, houve uma queda no comércio de mais de 60%;, contou.
O casal Heleno Dionísio Miranda, de 82, e Izaltina Santiago Miranda, de 78, fazia planos de reunir a família na noite de Natal para receber o filho Elves Miranda, que há 26 anos mora na América. No início do ano, ele deu entrada com os papeis de naturalização no Departamento de Imigração dos EUA. A previsão era de que, em três meses, o documento que lhe garantiria o direito de ir ao Brasil e depois retornar aos EUA fosse liberado, mediante o pagamento de taxas que chegavam a U$ 5 mil. Mas o sonho de rever a família foi interrompido, pois, sem trabalho, o brasileiro não conseguiu pagar pelo documento. ;Ele estava muito feliz, só que veio essa crise e os nossos sonhos foram por água abaixo. Será mais um Natal sem ele e, para a gente, só resta aquele vazio e a saudade;, lamentou Heleno.
O casal Heleno e Izaltina Miranda não receberá o filho Elves, que há 26 anos vive na América
A chegada do filho era o presente de natal que Izaltina esperava ganhar, depois de passar mais de duas décadas sem Elves, que deixou o Brasil ainda muito jovem, no início dos anos 1980 para trabalhar e voltar ao país de origem com a independência financeira concretizada. ;É muito difícil para uma mãe não ter o filho ao lado de datas especiais, ainda mais no Natal, que também é dia do meu aniversário. Só queria abraçá-lo e dizer que o amo muito;, disse a mãe emocionada.
Não há dados oficiais de quantos emigrantes devem deixar de visitar Valadares nessa época do ano e quantos já retornaram em definitivo para o Brasil por conta da crise. Há dois anos, a estimativa a prefeitura de Valadares era de que cerca de 70 mil valadarenses viviam nos EUA, num fenômeno imigratório que começou de forma tímida no início dos anos 1980 e se acentuou a partir da década de 1990. Segundo o Departamento de Imigração dos EUA, 1,1 milhão de brasileiros vivem no país, a grande maioria em situação irregular.