Pedro Ferreira
postado em 03/01/2010 07:59
Somadas a ocupações irregulares e a um meio ambiente castigado pela ação do homem, as chuvas que caíram no Rio de Janeiro desde 30 de dezembro provocaram a morte de pelo menos 63 pessoas - das quais 41 em Angra dos Reis. Até o fechamento desta edição, esse era o número oficial de corpos encontrados no município dos mais badalados do litoral fluminense. O clima na cidade é de desespero e angústia. No segundo dia após os dois acidentes em Angra - um na Ilha do Bananal, que atingiu uma pousada e casas, e o outro no centro da cidade, num local denominado Morro da Carioca -, parentes se dividem entre a agonia de esperar pela localização de um familiar desaparecido e a dor de constatar sua morte. Ao longo do dia, turistas deixaram o local abalados. No Colégio Estadual Arthur Vargas, no centro do município, parentes e amigos de 16 vítimas realizaram na tarde de ontem um velório coletivo.Entre as 16 vítimas, sete pertenciam a uma mesma família que morava no Morro da Carioca. Outros cinco mortos também eram parentes. Na Pousada Sankay, atingida por um desmoronamento, nenhum hóspede teria se machucado. A informação é de Antonio Faraci, irmão da dona do estabelecimento, Sônia Faraci. Ele disse que os quartos estão preservados, mas o bangalô que servia de casa da família foi soterrado. Do local, ainda segundo Antonio, apenas Yumi, filha de Sônia, e dois colegas que faziam faculdade com ela em Belo Horizonte (MG), não conseguiram escapar.
O governo estadual, que já está em estado de alerta, chegou a cogitar um decreto de emergência, mas desistiu, devido à trégua dada pela chuva ontem. As previsões são de tempo nublado para os próximos dias. As buscas, que recomeçaram ontem pela manhã em Angra do Reis, tiveram de ser paralisadas por duas horas no Morro da Carioca devido a um barulho escutado pelos bombeiros. Segundo José Lucas, subsecretário de Defesa Civil do município, os agentes trabalham com segurança para evitar novos desastres. %u201CFizemos 189 interdições e 83 cortes emergenciais de árvores, mas ainda há casas em local de risco. Estamos retirando essas famílias%u201D, afirma José Lucas, ressaltando que há 902 pessoas desabrigadas e desalojadas na cidade.
"Meu filho saiu das trevas ileso." Com voz serena, é assim que José Pinto Mendonça de Oliveira, de 57 anos, pai de Gustavo Pucci de Oliveira, de 22, define os momentos pelos quais o rapaz, hóspede da Pousada Sankay, soterrada pelo desmoronamento na Enseada do Bananal, Ilha Grande, passou na madrugada do réveillon. Sem um ferimento sequer, Gustavo chegou ontem a Belo Horizonte. Abalado, ele preferiu que o pai relatasse ao Correio a tragédia da qual foi personagem. Gustavo não quer reviver as cenas de terror.
Na segunda-feira à noite, Gustavo havia saído de casa rumo ao paraíso. Um convite irrecusável de Yumi Faraci, de 18 anos, filha dos donos da Pousada Sankay e colega de sala do rapaz na Universidade Federal de Minas Gerais. Além dele e de Yumi, mais seis amigos, sendo quatro da faculdade, faziam parte do grupo. Eles passariam 15 dias na pousada, num cenário dos sonhos, acessível apenas por barco. À frente, um mar perfeito. Atrás da construção, mata atlântica intocada.
O pai de Gustavo ressalta que o filho estava deitado, mas não havia dormido ainda. Era o único acordado na hora do acidente. "Ele escutou uma trovoada e levantou. Quando o barulho se repetiu, a parede rachou, barro e água começaram a entrar no quarto, o primeiro a ser invadido pelo desmoronamento. Ele só teve tempo de chamar dois amigos", relata Oliveira. Assim que a parede caiu, Gustavo saltou sobre os entulhos e conseguiu se livrar. "Nessa hora, encontraram com o pai da Yumi, tentando resgatar sobreviventes. "Felizmente, cinco sobreviveram. O Gustavo mesmo entrou em contato com a família contando sobre o ocorrido. O sentimento é de redescoberta e de renascimento. É o ano que começou", afirma Oliveira.
; Colaborou Renata Mariz
; Liberação de recursos
Recursos de até R$ 200 milhões poderão ser liberados pelo governo federal ao Rio de Janeiro para prevenir mais tragédias como a ocorrida em Angra dos Reis e outros municípios do estado nos últimos dias de 2009. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, conversou por telefone com Luiz Fernando Pezão, vice-governador do Rio, ontem, colocando-se à disposição. Ele ressaltou ser uma determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a ajuda oferecida pela pasta. O governador, Sérgio Cabral, também teria recebido a oferta diretamente de Lula.
Até o fechamento da edição, porém, a assessoria do governo do Rio de Janeiro não havia confirmado um pedido oficial de ajuda. O governador Sérgio Cabral destacou, durante uma visita à área atingida, ontem, que há pelo menos três mil casas em locais de risco em Angra dos Reis. Segundo ele, é preciso realocar as pessoas, colocando-as em "lugares dignos". Por determinação de Cabral, a Marinha, que integra a equipe de buscas na Ilha do Bananal, onde a lama derrubou casas e uma pousada, trabalhou no transporte de turistas que ainda estavam no local.
Frank Perlini, diretor do IML do Rio de Janeiro, fala sobre a tragédia em Angra dos Reis