O mais famoso foragido da Justiça brasileira completa um ano distante não só das prisões do país. O ex-cirurgião plástico Hosmany Ramos está longe de tudo, menos da obsessão de voltar livre ao Brasil e se candidatar a um cargo público. Na fria Reykjavik, capital da Islândia, onde está preso desde agosto, o mineiro da quente Rubim, no Vale do Jequitinhonha, se gaba de ter, como diz, mais de 100 mil acessos a um site em que afirma ser candidato à Presidência da República, criado pelo ex-médico no início de 2009, depois de não retornar à Penitenciária de Valparaíso, no interior de São Paulo, ao fim de um indulto de Natal.
Apesar de soar como deboche ; a legislação brasileira não permite que condenados participem de eleições ;, o ex-médico tem certeza de que, ostentando um site, ainda que com erros de português (onde o substantivo ;viagem;, por exemplo, é escrito com J), haveria alguma chance de se cacifar para, quem sabe, disputar uma vaga de parlamentar ao fim dos três anos de cadeia que ainda lhe restam a pagar à Justiça brasileira.
E para se ver livre o mais rápido possível das prisões nacionais, Hosmany, autor de oito livros *(ver bibliografia abaixo) , a maioria contos policiais, resolveu ;dar sopa; na Islândia utilizando o passaporte norte-americano de um irmão. O país, além de não ter tratado de extradição com o Brasil, possui sistema de controle de entrada de estrangeiros semelhante ao adotado pelos Estados Unidos, conforme conta o próprio ex-cirurgião, em entrevista ao Correio/Estado de Minas.
Hosmany afirmou ter escolhido de propósito a Islândia. ;Não estava indo para o Canadá, como disseram. Não era uma escala. Saí de Oslo (Noruega) e comprei a passagem para Reykjavik. Fizeram confusão porque a companhia aérea tinha uma promoção. O bilhete para o Canadá e para a Islândia tinham o mesmo preço;, assume o ex-médico.
Por não haver tratado de extradição, Hosmany, que já foi coroinha em Governador Valadares, onde estudou durante parte da infância e da adolescência, sabia que, se fosse preso na Islândia, como ocorreu, uma possível volta ao Brasil não ocorreria de imediato. Além disso, a partir do momento em que fosse detido no país europeu a pedido de Brasília, todo o tempo de prisão seria contabilizado no cumprimento da pena no Brasil.
O pedido de extradição foi concedido pelo governo islandês em 15 de dezembro. Hosmany, assessorado por três advogados ; do grupo, apenas um é defensor público ; recorreu da decisão alegando que ela teria sido açodada e movida pela comoção que o caso teve nos dois países. O ex-médico acredita que o resultado da apelação sairá em oito meses.
Detento internacional
Enquanto espera, Hosmany, além de ter concluído outro livro, chamado Bank Robbers (Ladrões de Banco), tem direito a regalias como acesso à internet e conversas ao telefone três vezes por semana, às terças, quintas e sábados. O ex-médico reclamou de vírus que contaminaram seu lap-top. ;Tive que comprar outro, islandês, muito barato por sinal;, diz. Ele conta que, desde de janeiro, viveu com US$ 16 mil, cerca de 10,6 mil euros ou aproximadamente R$ 27,9 mil. Os recursos saíram do pagamento de direitos autorais dos livros que publicou.
Ao justificar o uso de passaporte falso, o que poderá prolongar a sua vida carcerária, o foragido da Justiça brasileira afirmou que o fato é muito comum na Europa. ;Você se parece com um parente e usa o passaporte dele. É usual por aqui;, disse Hosmany, com a compreensível naturalidade adquirida por quem acumula condenações por assassinato, roubo e tráfico de drogas.
"Não estava indo para o Canadá, como disseram. Não era uma escala. Saí de Oslo (Noruega) e comprei a passagem para Reykjavik. Fizeram confusão porque a companhia aérea tinha uma promoção. O bilhete para o Canadá e para a Islândia tinham o mesmo preço;
Hosmany Ramos, sobre a rota de fuga
"Tive que comprar outro lap-top, islandês, muito barato por sinal;
Hosmany Ramos, contando que teve de se desfazer do antigo notebook, por causa de vírus
Das colunas sociais para as páginas de polícia
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Profissional de renome na década de 1970, até então frequentador de colunas sociais, o cirurgião plástico começou a ter montada sua ficha corrida em 19 de dezembro de 1980, quando um estudante paraguaio foi preso em Foz do Iguaçu, no Paraná, tentando entrar no Paraguai com um Passat roubado no Rio de Janeiro. O motorista disse ter recebido o veículo das mãos de Hosmany como pagamento de dívida. O médico se justificou afirmando não saber que tinha comprado um carro roubado.
Em setembro de 1981, o médico foi detido no aeroporto de Maricá, interior do Rio de Janeiro, quando aterrissava com um bimotor furtado dias antes em Atibaia (SP). O aparelho pertencia a uma empresa de engenharia do Mato Grosso do Sul. Preso na delegacia de Maricá, Hosmany fugiu e reapareceu em seguida internado em uma clínica. Disse que era inocente, não voltou para a prisão e, 15 dias depois, reapareceu no Paraguai com outro avião, que também seria roubado.
O médico foi entregue à Polícia Federal na fronteira e levado para o Rio de Janeiro, onde ficou preso por três dias, antes de nova fuga. Foi recapturado em dezembro. Ao final da ;trajetória criminal;, respondia por tráfico de drogas, roubo de carros e de aviões, assalto a uma juíza do trabalho, planejamento de sequestro da filha de um juiz do interior de São Paulo, assassinato e agressão a um agente penitenciário. As condenações somavam 53 anos de prisão.
Hosmany, hoje com 64 anos, deveria sair da prisão em dezembro de 2011, contabilizados os períodos em que ficou fora da cadeia, inclusive outra fuga, de aproximadamente 30 dias, em 1997 ; pela legislação brasileira, condenados podem ficar presos, no máximo, por 30 anos, seja qual for o tempo de reclusão estabelecido na sentença. No entanto, no final de 2008, recebeu indulto de Natal na Penitenciária de Valparaíso, no interior de São Paulo, e não se reapresentou na data prevista, 4 de janeiro de 2009. O médico deu entrevistas afirmando que não retornaria, que iria para o exterior e que se entregaria às autoridades somente ;quando os ratos fossem presos ou afastados;.
Em agosto foi preso pela Interpol na Islândia ao desembarcar vindo de Oslo e tentando viajar para o Canadá. À época, as informações eram de que o ex-cirurgião viajava com passaporte do irmão. Depois da primeira noite na cadeia, afirmou a um canal de televisão que a prisão era um hotel quatro estrelas. ;No Brasil teria 30, 40 presos em uma cela como esta;, disse.
Histórico
O pedido de extradição de Hosmany, concedido pelo governo da Islândia no dia 15, foi enviado ao país também em agosto. Junto à solicitação, a Secretaria Nacional de Justiça do Brasil repassou um histórico da vida criminosa do ex-cirurgião. A expectativa era de que a resposta fosse dada ainda naquele mês. A demora ocorreu principalmente porque não há acordo de extradição entre os dois países. Segundo a assessoria da Secretaria Nacional de Justiça, existe a possibilidade de Hosmany ser trocado por cidadãos islandeses presos no Brasil. O governo brasileiro negou qualquer possibilidade de negociação com o ex-cirurgião.
* Livros publicados de Hosmany
-O Goleador: morte e corrupção no futebol
-Delitos Obsessivos
-Marginália
-Pavilhão 9 - paixão e morte no Carandiru
-Massacre da Candelária
-Sistema
-Sequestro sangrento
-Queima de arquivo
-Olho mágico
-Síndrome da violência