Jornal Correio Braziliense

Brasil

Municípios com baixo IDH apresentam resultados surpreendentes no Ideb

Em São Luiz do Norte (GO), prefeito ressalta que não há criança fora da escola

São Luiz do Norte (GO) - Contrariando a fórmula do bom desempenho escolar - que, por regra, tem entre seus pilares a riqueza do município -, 35 cidades brasileiras com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apresentaram rendimento na educação básica acima da média nacional, que é de 3,9, numa escala de 0 a 10 (veja quadro abaixo). A boa notícia - motivo de orgulho para áreas isoladas do Sudeste, Nordeste, Sul e Centro-Oeste - foi detectada por um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), baseado em dados de 2007. Um desses locais que, apesar da pobreza, consegue driblar as estatísticas mais pessimistas é São Luiz do Norte (GO), situada a 288 quilômetros de Brasília. Todos os 51 professores têm curso superior, fator que pode ter contribuído para a localidade alcançar nota 6 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mais alto percentual atingido em Goiás e a meta estabelecida pelo Ministério da Educação (MEC) para o Brasil em 2021.

O baixo IDH, de 0,710, bem inferior à média nacional, que é de 0,813, não atrapalhou em nada os estudantes da pequena São Luiz do Norte. Ao contrário: a pobreza parece ter incentivado ainda mais os alunos. Abandonadas pelo pai logo depois do nascimento da caçula, as irmãs Marcilene, 9 anos, Marinalva, 10, e Maria Inês, 12, são estimuladas diariamente pela mãe, Margareth Rosa Pereira, a centrarem forças na escola. O sonho da família é aumentar a renda mensal de R$ 232, sendo R$ 132 repassados pelo programa Bolsa Família e outros R$ 100 que Margareth recebe para cuidar de dona Jacinta, 79. "Só o estudo pode fazer a gente mudar de vida", diz a faxineira, 33 anos, mas que aparenta ser mais velha. Com boletins repletos de notas 10, as meninas extrapolam as obrigações escolares e ajudam em quase todas as tarefas domésticas. "Minhas filhas são tudo para mim", diz Margareth.

Cirurgiã plástica
As tragédias que abalaram a família e a miséria não impedem o sucesso da garotas nas carteiras escolares. Marcilene, que se prepara para cursar a 4; série do ensino fundamental, exibe orgulhosa o boletim do ano passado com cinco notas 10. "Poderia ter sido melhor", observa. Coincidência ou não, a irmã Marinalva também mostra as cinco notas máximas obtidas em 2009. "Fico triste por não ter conseguido mais 10", destaca a jovem, matriculada na 5; série do ensino fundamental. Apesar de não ter atingido o mesmo aproveitamento das irmãs, Maria Inês já estava aprovada no terceiro bimestre do ano letivo. Conformada com sua situação econômica, Inês diz que não pede nada à mãe porque sabe que ela não tem dinheiro. "Somos pobres e precisamos nos esforçar. Meu sonho é ser cirurgiã plástica para dar uma vida melhor para minha família", diz a menina. Elas moram em uma casa de dois cômodos doada pela prefeitura e construída com a ajuda de amigos e vizinhos no bairro Pôr do Sol. "Tenho vontade de mudar de cidade para elas terem mais oportunidades. Penso em Goiânia ou Rio de Janeiro. Sei que é difícil, mas não vou desistir de lutar pelo futuro das minhas filhas", encerra Margareth, com os olhos marejados.

Auxiliar de serviços gerais e com uma renda de um salário mínimo, Elaine Maria Souza, 36 anos, se orgulha do filho Washington Souza, 9. Aluno da 2; série do ensino fundamental, o menino só tirou uma nota (9.8) abaixo de 10. "Ele é muito esforçado. Quando não conseguiu uma nota máxima em matemática, nem queria voltar à escola." Desinibido, Washington leu mais de 30 obras no ano passado, o que tornou líder absoluto em um programa desenvolvido em parceria pela prefeitura e a Secretaria de Educação do estado.

Washington passa boa parte do dia lendo livros que recebe de amigos da família. O predileto é um catálogo editado pelo Museu de Arte de São Paulo (Masp). O que mais gosto de ler é o texto que fica abaixo dessa árvore, aponta para a pintura O grande pinheiro, uma das obras primas da paisagem moderna confeccionada francês pós-impressionista Paul Cézanne.

A excelente nota 6 no Ideb, referente ao desempenho escolar na rede municipal, coloca o ensino da cidade equivalente ao de países desenvolvidos. O surpreendente resultado alcançado pela pequena cidade goiana de exatos 4.456 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2009, e por outros 34 municípios será investigado pela professora do câmpus Guarulhos da Unifesp Christina Andrews, responsável pelo levantamento. "A segunda etapa, a ser iniciada nos próximos meses, consiste justamente em identificar os programas e atividades educacionais responsáveis pelo bom desempenho", afirma a docente.

Visitas
Entre as 35 cidades, a pesquisadora pretende escolher 10 para conhecer de perto seus modelos educacionais. "Ainda não definimos os critérios para visitar os municípios, mas os resultados devem ser conhecidos até o fim do próximo ano", explica a coordenadora do estudo, elaborado em parceria com o Centro de Estudos da Cultura Contemporânea (CEDEC) e financiado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao (MEC).

Sem nenhuma escola particular, a cidade goiana tem 745 alunos matriculados em seus cinco estabelecimentos municipais de ensino fundamental. Uma instituição estadual oferece vagas para o ensino médio. "Em nossa cidade não existe nenhuma criança fora da escola. Além disso, todos os professores de São Luiz do Norte têm curso superior", afirma o prefeito Carlos Roberto Pereira (PP). Segundo ele, 25% da receita mensal (R$ 84 mil) são repassados à educação - 5% a mais do que prevê o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).