Brasil

Municípios com baixo IDH apresentam resultados surpreendentes no Ideb

Em São Luiz do Norte (GO), prefeito ressalta que não há criança fora da escola

Rodrigo Couto
postado em 09/01/2010 08:00

São Luiz do Norte (GO) - Contrariando a fórmula do bom desempenho escolar - que, por regra, tem entre seus pilares a riqueza do município -, 35 cidades brasileiras com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apresentaram rendimento na educação básica acima da média nacional, que é de 3,9, numa escala de 0 a 10 (veja quadro abaixo). A boa notícia - motivo de orgulho para áreas isoladas do Sudeste, Nordeste, Sul e Centro-Oeste - foi detectada por um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), baseado em dados de 2007. Um desses locais que, apesar da pobreza, consegue driblar as estatísticas mais pessimistas é São Luiz do Norte (GO), situada a 288 quilômetros de Brasília. Todos os 51 professores têm curso superior, fator que pode ter contribuído para a localidade alcançar nota 6 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mais alto percentual atingido em Goiás e a meta estabelecida pelo Ministério da Educação (MEC) para o Brasil em 2021.

O baixo IDH, de 0,710, bem inferior à média nacional, que é de 0,813, não atrapalhou em nada os estudantes da pequena São Luiz do Norte. Ao contrário: a pobreza parece ter incentivado ainda mais os alunos. Abandonadas pelo pai logo depois do nascimento da caçula, as irmãs Marcilene, 9 anos, Marinalva, 10, e Maria Inês, 12, são estimuladas diariamente pela mãe, Margareth Rosa Pereira, a centrarem forças na escola. O sonho da família é aumentar a renda mensal de R$ 232, sendo R$ 132 repassados pelo programa Bolsa Família e outros R$ 100 que Margareth recebe para cuidar de dona Jacinta, 79. "Só o estudo pode fazer a gente mudar de vida", diz a faxineira, 33 anos, mas que aparenta ser mais velha. Com boletins repletos de notas 10, as meninas extrapolam as obrigações escolares e ajudam em quase todas as tarefas domésticas. "Minhas filhas são tudo para mim", diz Margareth.

Cirurgiã plástica
As tragédias que abalaram a família e a miséria não impedem o sucesso da garotas nas carteiras escolares. Marcilene, que se prepara para cursar a 4; série do ensino fundamental, exibe orgulhosa o boletim do ano passado com cinco notas 10. "Poderia ter sido melhor", observa. Coincidência ou não, a irmã Marinalva também mostra as cinco notas máximas obtidas em 2009. "Fico triste por não ter conseguido mais 10", destaca a jovem, matriculada na 5; série do ensino fundamental. Apesar de não ter atingido o mesmo aproveitamento das irmãs, Maria Inês já estava aprovada no terceiro bimestre do ano letivo. Conformada com sua situação econômica, Inês diz que não pede nada à mãe porque sabe que ela não tem dinheiro. "Somos pobres e precisamos nos esforçar. Meu sonho é ser cirurgiã plástica para dar uma vida melhor para minha família", diz a menina. Elas moram em uma casa de dois cômodos doada pela prefeitura e construída com a ajuda de amigos e vizinhos no bairro Pôr do Sol. "Tenho vontade de mudar de cidade para elas terem mais oportunidades. Penso em Goiânia ou Rio de Janeiro. Sei que é difícil, mas não vou desistir de lutar pelo futuro das minhas filhas", encerra Margareth, com os olhos marejados.

Auxiliar de serviços gerais e com uma renda de um salário mínimo, Elaine Maria Souza, 36 anos, se orgulha do filho Washington Souza, 9. Aluno da 2; série do ensino fundamental, o menino só tirou uma nota (9.8) abaixo de 10. "Ele é muito esforçado. Quando não conseguiu uma nota máxima em matemática, nem queria voltar à escola." Desinibido, Washington leu mais de 30 obras no ano passado, o que tornou líder absoluto em um programa desenvolvido em parceria pela prefeitura e a Secretaria de Educação do estado.

Washington passa boa parte do dia lendo livros que recebe de amigos da família. O predileto é um catálogo editado pelo Museu de Arte de São Paulo (Masp). O que mais gosto de ler é o texto que fica abaixo dessa árvore, aponta para a pintura O grande pinheiro, uma das obras primas da paisagem moderna confeccionada francês pós-impressionista Paul Cézanne.

A excelente nota 6 no Ideb, referente ao desempenho escolar na rede municipal, coloca o ensino da cidade equivalente ao de países desenvolvidos. O surpreendente resultado alcançado pela pequena cidade goiana de exatos 4.456 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2009, e por outros 34 municípios será investigado pela professora do câmpus Guarulhos da Unifesp Christina Andrews, responsável pelo levantamento. "A segunda etapa, a ser iniciada nos próximos meses, consiste justamente em identificar os programas e atividades educacionais responsáveis pelo bom desempenho", afirma a docente.

Visitas
Entre as 35 cidades, a pesquisadora pretende escolher 10 para conhecer de perto seus modelos educacionais. "Ainda não definimos os critérios para visitar os municípios, mas os resultados devem ser conhecidos até o fim do próximo ano", explica a coordenadora do estudo, elaborado em parceria com o Centro de Estudos da Cultura Contemporânea (CEDEC) e financiado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao (MEC).

Sem nenhuma escola particular, a cidade goiana tem 745 alunos matriculados em seus cinco estabelecimentos municipais de ensino fundamental. Uma instituição estadual oferece vagas para o ensino médio. "Em nossa cidade não existe nenhuma criança fora da escola. Além disso, todos os professores de São Luiz do Norte têm curso superior", afirma o prefeito Carlos Roberto Pereira (PP). Segundo ele, 25% da receita mensal (R$ 84 mil) são repassados à educação - 5% a mais do que prevê o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

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