Gustavo Werneck/Estado de Minas
postado em 17/01/2010 09:17
Dois pontos, um histórico e outro trágico, unem os municípios Goiás (GO), conhecido como Goiás Velho, e São Luís do Paraitinga (SP). O primeiro está na origem das cidades, nascidas nos tempos coloniais e donas de igrejas, sobrados e casarões de taipa de pilão, pau a pique e adobe, nos moldes da arquitetura do barro dos séculos 18 e 19. O segundo, atual e assustador, vem das violentas enchentes que destruíram o patrimônio cultural de ambas em menos de uma década: Goiás foi arrasada em 2001, enquanto São Luís do Paraitinga sofreu com as águas que caíram no primeiro dia deste ano e geraram farta destruição.Agora, sob a bandeira da preservação e da solidariedade, surge um novo traço de união. Com a experiência adquirida na reconstrução da terra natal da poetisa Cora Coralina (1889-1985), a equipe goiana do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se junta aos paulistas para reerguer o município cheio de tradições e berço do cientista Oswaldo Cruz (1872-1917).
;Numa situação dessas, o primeiro passo, sempre, é ajudar as pessoas, pois o patrimônio não tem sentido sem elas. Na etapa seguinte, deve-se fazer o escoramento dos imóveis, selecionar, nas ruínas, o material reaproveitável, e retirar toda a lama fétida, como a que tomou conta das ruas e praças de São Luís do Paraitinga;, afirma a superintendente do Iphan em Goiás, a historiadora Salma Saddi, que passou os últimos 10 dias na cidade paulista ajudando a traçar o plano de salvação local.
Nesse período, ela ficou impressionada com as ações voluntárias da comunidade. Um dentista, que também é arqueólogo, e vizinhos resgataram e selecionaram o material da Igreja das Mercês (século 18), que desabou. E um grupo de praticantes de rafting (descida em corredeiras) socorreu idosos, crianças e até cachorros que estavam ilhados nas casas inundadas. Cerca de100 famílias ficaram desalojadas.
Tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat-SP) e em processo de tombamento federal, a cidade teve cerca de 80% do seu centro histórico destruído pelas chuvas, incluindo a Matriz de São Luís de Tolosa (século 19), que havia sido reformada.
Tragédia
Nascida e criada em Goiás Velho (23 mil habitantes) e testemunha, já como superintendente do Iphan, da tragédia provocada pela enchente na manhã de 31 de dezembro de 2001, Salma destaca uma diferença entre os dois casos. ;Eram 6h quando o Rio Vermelho, afluente do Araguaia, começou a encher. Lá pelas 11h, veio a tromba d;água, com ondas fortes, que derrubou cinco pontes. Às 23h, o leito do rio já tinha baixado. Já em São Luís do Paraitinga (10 mil habitantes), no Vale do Paraíba, foi bem diferente, com efeito devastador. O Rio Paraitinga subiu, inundou as ruas e as águas ficaram represadas, parecendo piscina, chegando ao telhado dos sobrados. Imagine uma estrutura de barro nessas condições durante três dias;, observa a superintendente.
Em Goiás Velho, a catástrofe ocorreu duas semanas depois de a cidade receber o título de patrimônio da humanidade concedido pelo Fundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). O município foi reconstruído em dois anos, mas os técnicos não têm ideia do tempo necessário para recuperar a cidade paulista. ;Na época, foram abertas 15 frentes de trabalho. Não fomos a São Paulo ensinar a receita do bolo, mas temos certeza de que São Luís do Paraitinga também vai fazer uma limonada gostosa com esse limão azedo;, acredita Salma.
Celebrações
São Luís do Paraitinga é rica em história e tradições, além de ser famosa pelas celebrações religiosas e profanas, como a Folia de Reis, em janeiro, que teve de ser interrompida desta vez; a Festa do Divino, em maio; a Cavalhada, de data móvel, embora sempre acompanhando o Divino; e o carnaval. Segundo o diretor municipal de Cultura, Benedito de Campos Netto, o calendário oficial tem 25 eventos durante o ano.
Faltou manutenção
O estrago em São Luís do Paraitinga com a enchente do começo do ano foi grande, atingindo centenas de edificações. Na Praça Oswaldo Cruz, por exemplo, a principal da cidade, oito casas caíram. Segundo a superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São Paulo (Iphan-SP), a arquiteta Anna Beatriz Ayroza Galvão, o motivo da destruição não se relaciona ao tipo do sistema construtivo. Houve também queda de casas de concreto, o que significa estruturas mal executadas e falta de manutenção. ;As edificações que ficaram de pé recebiam cuidados permanentes, com troca de madeira, vistoria para impedir umidade e outros aspectos fundamentais. A qualidade da manutenção fez a diferença;, assegura a arquiteta paulista.
Para ajudar na reconstrução da cidade, o governo federal liberou R$ 10 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, informa o presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida. Mas ele cita como de suma importância a integração entre goianos, paulistas e fluminenses. ;Nossa equipe adquiriu experiência em Goiás. O importante é que as atividades estão em andamento e nosso compromisso é fazer um esforço para conduzir as obras com critério e não criar um cenário falso da cidade.; (GW)