Brasil

Obras de empresas públicas e privadas causam prejuízo a mais de 270 comunidades

Moradores reclamam da extração de recursos naturais, mas companhias justificam dizendo que o processo é rigoroso

Rodrigo Couto
postado em 26/01/2010 07:00
Prédio do Dnit em Brasília: órgão é responsável pelas obras da BR-101 que prejudicam a comunidade Morro AltoAo mesmo tempo em que o governo federal criou o Programa Brasil Quilombola (PBQ) ; que prevê investimento total de aproximadamente R$ 2 bilhões em benefícios aos descendentes de escravos ;, grandes obras de empresas brasileiras públicas e privadas estão causando impactos em pelo menos 279 comunidades remanescentes de quilombos em 17 estados do país (leia quadro). A Petrobras é o maior exemplo do enorme disparate do Estado. Somente a estatal é responsável pela interferência na rotina de 176 grupos descendentes de escravos situados em 10 unidades da Federação. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Ministério da Integração também têm construções nesses territórios. Bisneto de escravos, Wilson Marques, 51 anos, enumera os problemas causados pela duplicação da BR-101 dentro da comunidade Morro Alto, em Osório (RS). ;Além dos barulhos causados pelas implosões para abertura de um túnel, destruíram parte de um cemitério e estão extraindo recursos naturais de nossas terras;, denuncia o quilombola. As 456 famílias que vivem no local já denunciaram o caso ao Ministério Público Federal (MPF) do estado. ;Ficamos de acertar medidas compensatórias aos transtornos provocados por este empreendimento, mas até agora nada foi decidido;, diz Wilson. O empreendimento é de responsabilidade do Dnit. [SAIBAMAIS]Em nota, o órgão diz que as obras passam por um rigoroso processo de licenciamento, que inclui a análise criteriosa de diversos órgãos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Cultural Palmares (FCP), e o Instituto Chico Mendes. De acordo com o texto, para a expedição das licenças, essas entidades impõem uma série de condicionantes, que sempre devem ser incluídas nos projetos de obras e cumpridas, para que os empreendimentos possam ser realizados. ;Somente para a obtenção de licenças, o Dnit conta com mais de 500 profissionais de diversas áreas contratados. A obra da BR-101/Sul possui licenciamento e acontece em conformidade com o projeto executivo.; O caso da Petrobras é mais preocupante. Grandes empreendimentos, como o Gasoduto Meio Norte, no Nordeste, e a Expansão do Gasoduto Rio de Janeiro ; Belo Horizonte afetam negativamente a vida dos quilombolas. A assessoria de imprensa da Petrobras afirma que em todas as regiões e comunidades em que atua, a empresa adota como política considerar os impactos e os benefícios de seus empreendimentos nas dimensões econômica, ambiental e social. ;A companhia patrocina projetos voltados para a preservação das comunidades quilombolas. Um dos principais objetivos dos projetos é o desenvolvimento de ações de geração de renda e oportunidade de trabalho, como a agricultura e o artesanato;, diz a nota. Para o subsecretário de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Alexandro Reis, o desenvolvimento que o Brasil deseja alcançar passa pela realização de grandes obras. ;Por meio de relatórios enviados pelos ministérios e estatais, tentamos causar menos problemas, mas todas acabam sofrendo impactos, incluindo os não quilombolas;, observa. Quem chega a Paracatu se assusta com a imensa cratera aberta a poucos quilômetros do centro da cidade pela Rio Paracatu Mineração (RPM), empresa privada do grupo canadense Kinross. Além do enorme buraco ; resultado da retirada de ouro por mais de 20 anos ;, uma grande barragem composta de água com resíduos químicos preocupa os quilombolas. O reservatório não está dentro da área reivindicada, mas tira o sono dos moradores pela sua extensão e possibilidade de contaminação do solo. ;Há uns três anos, a água do nosso poço artesiano ficou estranha: barrenta e com um cheiro estranho;, conta Maria da Abadia. Questionado sobre o tamanho da barragem e da área devastada pela mineradora, o prefeito de Paracatu (MG), Vasco Praça Filho, não soube precisar a extensão. Herança, a justificativa Em relação à reportagem ;Comparação política em terra quilombola;, publicada ontem pelo Correio, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) esclarece que foi a partir do governo Lula, por meio do Decreto 4.887/2003, de 20 de novembro de 2003, que a política de regularização das áreas quilombolas passou a ser atribuição do órgão, o que permitiu a efetiva regularização fundiária destas terras, além de ter estabelecido a transversalidade da política com abrangência em quase todos os ministérios. ;Este aspecto se diferencia substancialmente da política realizada pelo governo anterior, que tinha no Decreto 3.912/2001 a base de sua atuação. O referido decreto apresentava problemas conceituais em relação à política de regularização. Um dos principais era o fato de prever a titulação sem a desintrusão (retirada de ocupantes não quilombolas da área), sendo esta a parte mais importante para o domínio e a posse efetiva das áreas. No processo atual, só há a titulação quando ocorre a desintrusão;, diz a nota. Ainda de acordo com o Incra, a concessão de título para as comunidades remanescentes de quilombos realizada até 2002 não significou para muitas delas a posse da terra. ;Situam-se nesse caso 289.651 hectares titulados pelo governo anterior em terras de domínio particular que não foram registrados em cartório porque as áreas correspondentes não foram ;desintrusadas; (os moradores antigos não foram indenizados e retirados do local);, explica o texto. Assim, segundo o Incra, esses nove títulos expedidos, relativos a 2.270 famílias, não trouxeram a posse definitiva para estas comunidades. ;Esta herança do governo anterior está sendo assumida pelo governo atual, que vem desenvolvendo esforços, por meio do Incra, no sentido de regularizar as áreas promovendo a desintrusão para usufruto das comunidades quilombolas;, acrescenta. (RC) ; Para saber mais Mais saúde e moradia Criado em 2004, o Programa Brasil Quilombola (PBQ) coordena todas as ações governamentais às comunidades remanescentes de quilombos. Organizado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a iniciativa tem suas ações nas áreas de saúde, educação, construção de moradias, eletrificação, recuperação ambiental e incentivo à produção local executadas por 23 órgãos da administração pública federal. ;Para ter acesso a esses benefícios não é necessário que a área a ser demarcada como quilombo esteja com o título emitido. Uma portaria interministerial (127/2008) garante melhorias nesses locais;, afirma a coordenadora nacional de regularização de territórios quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Gilvânia Maria da Silva. De acordo com o PBQ, que tem cronograma para o triênio 2008/2011, o Incra investiu R$ 4 milhões na implementação dos processos de regularização fundiária. ;Em 2009, gastamos R$ 28 milhões. Para 2010, devemos desembolsar pelo menos R$ 66 milhões. Esse salto ocorre porque em novembro de 2009 o presidente sancionou 30 novos decretos regularizando territórios. Como não houve tempo suficiente para concluir as indenizações, esse procedimento deve continuar no decorrer dos próximos 12 meses;, explica Gilvânia. Subsecretário de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Alexandro Reis afirma que, em parceria com o Programa Luz para Todos, o PBQ levou energia elétrica a 20 mil domicílios quilombolas no período entre 2003 e 2009. ;Além disso, outra importante ação foi a construção de cerca de 1,3 mil unidades habitacionais para esse segmento da população;, acrescenta Reis, ao citar o financiamento da Caixa Econômica Federal destinado às áreas de quilombos de 2005 a 2008. (RC) Moradores reclamam da extração de recursos naturais, mas companhias justificam dizendo que o processo é rigoroso

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