Em termos de estatística, Pernambuco só perde para o Rio de Janeiro, que teve 521 flagras de trabalho desumano em 2009. No interior do estado, a maioria não sabe ler ou é analfabeta funcional, que só consegue escrevero próprio nome. Todos passam o dia em rotinas exaustivas, cortando de três a quatro toneladas de cana por dia. Vivem para trabalhar e, à noite, repousar o corpo desgastado para o dia seguinte. Um dia sem sonhos, sem dignidade. As informações são da procuradora e vice-coordenadora nacional da Coordenadoria de Erradicação ao Trabalho Escravo, Débora Tito. Ela disse que os "flagras" de escravidão ocorreram nos em Moreno, Amaraji e Aliança, respectivamente na RMR, na Mata Sul e Mata Norte. Segundo ela, o perfil dos "novos escravos" é parecido com o de antigamente. Ao todo, 90% são homens de 18 aos 40 anos com performance de atleta. Os tempos são outros sim, mas a cultura da escravidão mantém-se viva e forte no capitalismo. Nos lugares onde se encontrou trabalho escravo, segundo a procuradora, o pensamento do patrão é o seguinte: quanto menos benefícios para o trabalhador, mais lucro. "Os cenários onde essas pessoas vivem ainda é o mesmo dos nossos livros de história. A diferença é que o empregador não tem ódio do empregado, como o senhor de engenho tinha. Ele simplesmente é indiferente. Acha que, para o pobre, qualquer coisa basta", protestou a procuradora. Segundo ela, nos três municípios onde havia trabalho sem dignidade, especialmente em Moreno, os homens viviam em condições de higiene precária. "Eles se alimentam do próprio bolso, não tem sequer banheiro, água potável. Quando a gente procura o empregador, ele diz simplesmente: eu não sabia", destacou. Débora Tito ressaltou que, durante as inspeções, o MPT de Pernambuco ainda assinou seis termos de ajustes de conduta com os empregadores e ajuizou duas ações civis públicas. "O contrato de todos os que foram resgatados nessa situação foi reincidido e eles ganharam seguro de desemprego de três meses. O problema é que, assim que passa esse período, eles tendem a voltar a trabalhar nas mesmas condições, porque ainda não existem programas de reinclusão social para eles". Do total de empregados que viviam em situações análogas à escravidão, apenas um tinha 16 anos, segundo a procuradora. Era um menino, analfabeto, filho de agricultores rurais. Estava no corte da cana, ao invés de estar estudando. Para Débora Tito, não havia crianças nos engenhos e usinas porque elas não têm força física para cortar cana.