Brasil

Papel escrito à mão, envelopado e entregue pelo carteiro é cena que fica cada vez mais rara

Em 2002, os Correios despacharam quase 5 bilhões de correspondências no país, mas a estimativa para 2009 é de que não cheguem à metade desse número

postado em 31/01/2010 09:48
Desde a adolescência, há mais de 30 anos, Ana Maria mantém contato com um advogado de São Paulo, por meio de cartas. Pelo menos uma correspondência por mês, mas já chegou a enviar até 20 para ele e para outras pessoas no Brasil e no mundo em apenas 30 dias. E tem muito para contar: o mínimo que Ana escreve são 10 páginas. Mas a cada ano, o que era um dos únicos meios de comunicação para demonstrar apego ou amizade por uma pessoa está acabando. O avanço da tecnologia, que trouxe o e-mail e as redes sociais, está fazendo com que os brasileiros deixem de mandar cartas. Em Brasília, por exemplo, das 15 milhões de correspondências entregues em 2009, apenas 10% eram pessoais. E nos últimos sete anos, em todo o país, a queda no número de encomendas é impressionante: de 4,9 bilhões para 2,4 bilhões. Richards Furtado recebe correspondência do carteiro Maxwell Araújo: Ana Maria Pereira de Melo, 46 anos, morava em Quebrangulo, no interior de Alagoas, quando começou a escrever cartas para diversas pessoas mundo afora. Conheceu um adolescente como ela em São Paulo. Ana estudava no antigo 1º grau quando passou a consultar gibis e revistas em busca de endereços de pessoas interessadas em se corresponder, e o primeiro a encontrar foi o do rapaz paulista. Passados mais de 30 anos, ela manteve a amizade. E sempre por carta, já que só conheceu a outra pessoa no último dia 4. "Sempre gostei de escrever. Tenho correspondentes de mais de 15 anos, mas o de São Paulo é o mais antigo", conta a funcionária pública. Em 2000, os Correios entregaram em torno de 3,7 bilhões de correspondências em todo o país. Houve um aumento em 2002, quando registrou 4,9 bilhões de cartas enviadas. Porém, a partir daí, o volume foi caindo a cada ano e em 2009 a previsão - os números ainda não foram fechados - era de 2,5 bilhões de correspondências. No Distrito Federal, diariamente, os Correios entregam 630 mil cartas, uma média de 15 milhões no ano. "Em vez de carteiro, eu digo que sou conteiro", brinca Jocemar Michels Gonçalves, que todos os dias carrega uma gigantesca sacola com correspondências. Mas 99% são comerciais. Na sexta-feira, por exemplo, de cerca de 100 cartas, apenas uma era pessoal. Tratava-se de uma carta de uma moradora do Cruzeiro Velho para outra, na Asa Norte. Casos assim, porém, são poucos. A maior parte da correspondência é entre pessoas de outros estados. "O volume de cartas convencionais só aumenta nos fins de ano", explica o carteiro Francisco Mendes, um dos 65 que trabalham no Centro de Distribuição da Asa Norte. Segundo ele, das correspondências entregues diariamente, apenas 200 são pessoais. O restante se acumula em boletos, contas telefônicas, revistas e uma infinidade de propaganda, entre outras. Só políticos Não só no passado a carta serviu como fonte de inspiração para compositores, como a sertaneja Ainda ontem chorei de saudades, da dupla João Mineiro e Marciano, regravada várias vezes por outros cantores. Hoje em dia, esse tipo de correspondência ainda continua na moda, pelo menos em algumas músicas de sucesso, como Cartas de amor, do Jota Quest, e Carta, de Vanessa da Mata, além de ter sido tema principal de filmes, como Central do Brasil, com Fernanda Montenegro. Mas, para alguns, a carta tem um significado maior que os e-mails. "Não quero nunca deixar de escrever ou receber carta. É uma coisa que fica gravada. É diferente você mandar um e-mail", observa Ana Maria. "É gratificante", concorda Richards Furtado Alonan, coordenador de uma academia de ginástica e atleta profissional. Ele havia recebido uma carta da mãe, Valma Furtado, que mora em Frutal (MG) que, em um cartão, parabenizava o filho pelo aniversário. "Por mais que o e-mail seja mais prático, é ainda emocionante receber uma correspondência, ver que as pessoas capricham até na letra", acrescenta Alonan. Segundo o carteiro Maxwell Araújo dos Santos, até mesmo os cartões de felicitações estão raros. "São poucos e só aumenta a entrega nos fins de ano e, mesmo assim, a maioria é de políticos", diz Maxwell. Somente na Asa Norte, pelo menos 80 mil cartas chamam a atenção das pessoas que trabalham no centro. Elas chegaram entre setembro e dezembro do ano passado. "São cartas de crianças para o Papai Noel", conta Francisco Mendes. Segundo ele, muitas vezes não há quem participe da campanha feita pelos Correios todos os anos, para arrecadar brinquedos para quem enviou a correspondência. Por isso, ainda há um grande volume de cartas à espera de um padrinho. Divididos por setores O Plano Piloto é a região do Distrito Federal que mais recebe cartas, sendo que a Asa Norte é campeã na movimentação de correspondências. A Diretoria Regional dos Correios em Brasília trabalha com 1.061 carteiros, que percorrem diariamente, em média, de cinco a sete quilômetros, todos os dias úteis. Cada um dos profissionais carrega, em média, 100 correspondências diariamente e são divididos por setores. Quem estiver no setor 7, por exemplo, entrega as correspondências das quadras 100, 300, 500 e 900. Em queda O volume de entregas feitas pelos Correios nos últimos 10 anos 2000 - 3.751.711.222 2001 - 3.046.200.713 2002 - 4.918.288.998 2003 - 3.819.582.015 2004 - 3.407.728.996 2005 - 3.077.340.000 2006 - 3.275.820.000 2007 - 3.167.420.000 2008 - 2.937.450.000 2009 - 2.487.060.000 * *Estimativa Fonte: Correios Comércio eletrônico aumentou entregas Até mesmo os Correios facilitaram o envio de uma carta online. O serviço pode ser encontrado na internet, onde a pessoa escreve a própria correspondência e envia para uma agência, que trata de imprimi-la e encaminhar ao destinatário. Isso também fez com que o volume de cartas caísse, o que não representa uma queda nas entregas normais, principalmente de materiais empresariais e comerciais, como boletos bancários. Ao contrário disso, a empresa aumentou suas demandas, segundo a assessoria do órgão. A carta eletrônica dos Correios funciona como um e-mail, e com qualquer tamanho de texto. Com preços que variam de R$ 3,60 - para correspondência nacional - a R$ 6,20 - para cartas internacionais ou nacionais com aviso de recebimento - o processo é feito de forma criptografada para manter o sigilo. Dois centros de teleimpressão, sediados no Distrito Federal e São Paulo, recebem os e-mails, envelopam e encaminham ao destinatário como se fosse uma carta comum, no Brasil, e registrada, se for para o exterior. Segundo os Correios, apesar de ter diminuído em 1,3 bilhão o volume de cartas entregues nos últimos 10 anos, principalmente por causa da chegada da internet, houve aumento em outros setores, como nas correspondências empresariais e de encomendas. Isso aconteceu justamente por causa do comércio online, que fez crescer o número de produtos comprados por meio eletrônico e que são entregues pelo órgão. Isso fez com que a empresa tivesse lucros consecutivos nos últimos anos, com exceção de 2009, por causa da crise. Mesmo assim, não houve prejuízo, segundo informa o órgão.

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