Enquanto o movimento contrário ao aborto no Brasil organiza a tradicional manifestação batizada de Marcha da Cidadania pela Vida, marcada para março em São Paulo, as organizações feministas se preparam para as Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro ; debates sucessivos sobre como mudar a lei que criminaliza a interrupção voluntária da gravidez no país. Cada um a sua maneira, os grupos que se opõem e que apoiam a causa começam a se articular para colocar o tema em evidência neste primeiro semestre do ano, já de olho no período eleitoral.
O principal foco, neste momento, é monitorar o posicionamento do governo em relação ao 3; Plano Nacional de Direitos Humanos, que defende o aborto, entre outras questões. Depois de assinar o documento e ser pressionado por entidades religiosas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou publicamente, prometendo mudanças no texto. Mas, de acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Direitos Humanos, a versão válida do plano está publicada na página oficial da pasta, que mantém a seguinte diretriz: ;Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos;.
Para Debora Diniz, antropóloga da Universidade de Brasília e diretora da organização não governamental Anis ; Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, a polêmica criada foi oportuna para os grupos contrários. ;Esse plano não tem força de lei, é um sinalizador apenas de compromissos, convenções e tratados que o Brasil já vem assinando internacionalmente, como o de Cairo, nos anos 1990. Em ano de eleição, falar de aborto torna-se moeda fácil para fragilizar o governo;, critica Debora.
No entanto, Lenise Garcia, professora de biologia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Movimento Brasil sem Aborto, pensa diferente. Para ela, é contraditório incluir no programa de direitos humanos o tema do aborto. ;O que estamos defendendo é exatamente o direito das pessoas, humanas, à vida. É falsa essa ideia de que aborto resolve algum problema para a mulher. Ao contrário, estudos científicos mostram o quanto elas se prejudicam;, destaca a professora.
A atenção dos grupos também está voltada para o Supremo Tribunal Federal (STF), onde uma ação solicita que a Corte descriminalize o aborto em caso de fetos anencéfalos (sem cérebro). Mas o relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello, não tem previsão de quando apresentará seu voto, embora já tenha falado abertamente que é favorável à interrupção da gravidez. ;A avalanche de processos é invencível. Costumo dizer que sou um estivador do direito;, brinca o ministro.
Outro ponto de monitoramento dos grupos parece ter menos chances ainda de um desfecho próximo. É o Projeto de Lei n; 1.135/1991, que, depois de ser sepultado nas comissões de Seguridade Social e de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, deve ser levado ao plenário, graças a um recurso apresentado por José Genoino (PT-SP). ;Para isso, é preciso que o colégio de líderes coloque o recurso na pauta. Isso dificilmente acontecerá em ano de eleição, sendo o tema tão polêmico;, afirma Paulo Fernando, assessor da bancada católica na Câmara.
De junho em diante, quando os candidatos a cargos públicos se apresentarão, o Movimento Brasil sem Aborto vai abordá-los para saber quais são contrários à interrupção da gravidez. A ideia é divulgar uma lista dos políticos ;pró-vida;. ;Tem que assinar um documento, não basta falar;, explica Lenise. Rúbia Abs, coordenadora da Themis ; Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, vê como hipócrita o debate sobre o aborto no Brasil. ;Os grupos feministas acabam não sendo tão numerosos porque as pessoas não assumem suas posições, têm vergonha de se manifestar em função da carga religiosa que o tema carrega;, critica a advogada. No caso dos políticos, destaca Debora, o que se vê é omissão. ;No mínimo, o sujeito silencia para não se expor.;
; Pontos em questão
Os grupos pró e contra o aborto mantêm o foco em três aspectos atualmente. Saiba quais são:
3; Plano Nacional de Direitos Humanos
O documento, que contém diretrizes para a condução das políticas relacionadas aos direitos humanos, apoia a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto. Reação dos grupos contrários fez o presidente Lula recuar publicamente. Mas o texto segue idêntico
Ação no STF sobre aborto de anencéfalos
Está nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello apresentar seu voto em ação que solicita a descriminalização do aborto no caso de fetos sem cérebro. O ministro não deu previsão para se posicionar, mas já disse publicamente que é favorável ao aborto nesse caso. Os demais ministros também votarão
Projeto de Lei n; 1.135/1991
Mais de 15 anos depois de tramitar na Câmara dos Deputados, o projeto de lei foi enterrado em duas comissões, inclusive na de Constituição e Justiça. José Genoino apresentou recurso para que o plenário reavalie a questão. Mas, em ano eleitoral, dificilmente os líderes colocarão o assunto em pauta.