Paula Takahashi, Estado de Minas
postado em 27/02/2010 11:52
Sempre que tinha um dinheiro extra, o representante comercial Geraldo Marcos Martins aproveitava para fazer uma fezinha na loteria. Como já havia ganhado alguns prêmios de valores baixos, continuava apostando na esperança de que uma dia sua sorte mudaria. E mudou. No concurso 264 da Lotomania, que ocorreu em 6 de novembro de 2002, ele comprou 250 bilhetes, cada um no valor de R$ 1, para concorrer a uma bolada de mais de R$ 5 milhões. Quando foi conferir os 20 números sorteados, veio a surpresa. ;Em um dos cartões, em vez de estarem registrados 50 números, como prevê o jogo, havia apenas seis, por um problema de impressão da máquina da casa lotérica;, conta.Como a Lotomania também premia jogadores que não acertam nenhuma das 50 dezenas escolhidas, Geraldo acreditou ter ganhado, na época, os mais de R$ 741 mil previstos para a aposta. "Quando jogamos, temos que escolher 50 números entre 0 e 99. Se escolhermos menos que isso, a própria máquina seleciona o restante até que complete os 50 necessários. Dessa forma, quem acerta 16, 17, 18, 19 e 20 números ganha prêmios proporcionais, assim como quem não acerta nada. Como no meu comprovante estavam faltando 44 números, eu fiquei impedido de concorrer aos demais valores e só poderia ganhar caso não acertasse nenhum. E foi o que aconteceu", lembra. Na época, dois jogadores foram declarados ganhadores do prêmio, um deles por ter acertados as 20 dezenas sorteadas e outro por não ter acertado nenhuma. "Até onde sei, a pessoa que ganhou por não ter feito nenhum ponto nunca apareceu", afirma.
Quando procurou a Caixa Econômica Federal (CEF) para pedir orientação, foi aconselhado a recorrer na Justiça. "Entrei com uma ação contra a Caixa porque ocorreu um erro. Eles mesmos fizeram a perícia dos comprovantes e confirmaram que são verdadeiros e que foram expedidos pelos próprios terminais da lotérica", conta. Na ação consta que um "expert designado foi enfático ao asseverar que a impressão alfanumérica (;) é verdadeira".
Em sua defesa, Geraldo bate na tecla de que a própria instituição apregoa que o bilhete é o único documento que habilita o pagamento do prêmio e o único comprovante da aposta. "O que aconteceu comigo é o oposto do ocorrido com os jogadores do Sul do Brasil que fizeram a aposta, mas não têm o comprovante da Caixa para confirmar. Se eles estão reclamando uma coisa a que supostamente não têm direito, como que eu, que tenho o registro da aposta, devidamente oficializado e periciado, vou ficar?", questiona.
Geraldo se refere ao grupo de 40 apostadores da cidade de Nova Hamburgo, no Rio Grande do Sul. Eles compraram um bolão na casa lotérica Esquina da Sorte, mas a empresa não havia registrado o jogo junto à Caixa. A combinação de seis números foi sorteada, mas os jogadores ficaram sem os R$ 53 milhões, que se acumularam e hoje podem chegar a R$ 70 milhões, maior prêmio da loteria atrás somente do sorteio especial da Mega-Sena da virada, que pagou, em dezembro do ano passado, mais de R$ 144,9 milhões a dois sortudos, sendo um do estado de São Paulo e outro do Distrito Federal (DF).
Na Justiça
Desde dezembro de 2005 no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1; Região, localizado em Brasília, o recurso de apelação encaminhado pelo advogado de Geraldo continua parado. "Perdemos em 1; instância porque a Caixa afirmou que mantém, de forma secreta e com acesso restrito, os registros de todos os jogos com os números apostados", conta. A juíza entendeu ainda que, para concorrer ao prêmio, Geraldo teria que ter as 50 dezenas e acabou dando ganho de causa à Caixa. "Mas, se os registros secretos dela valem mais do que o comprovante, não precisamos mais dele. Uma pessoa pode chegar e falar que ganhou o prêmio, mas que perdeu este documento. Aí pede para a Caixa checar o jogo que foi registrado em seus computadores. São dois pesos e duas medidas", afirma.
O recurso de Geraldo foi feito com base nas normas da Caixa que estabelecem as regras de realização dos concursos e garantem que o importante é a apresentação do bilhete registrado. A esperança de Geraldo é de que, com a polêmica que envolveu a Caixa durante toda a semana, as autoridades retirem seu processo da gaveta. "De repente eu me deparei com uma situação que me permite, diante da constituição da Caixa, ter direito a esse prêmio por ter feito zero ponto. Não por minha culpa, mas por responsabilidade única de um instrumento terceirizado pela instituição e de sua responsabilidade", afirma. "Nem mesmo o pagamento do bilhete, que para eles não vale nada, eles nunca propuseram pagar. Como ficam os meus direitos como consumidor?", questiona.
O dinheiro, que garantiria mais conforto à família, trouxe a sensação de injustiça e consigo a descrença, já que, desde novembro de 2002 nunca mais fez nenhuma aposta na loteria. "Perdi a fé no jogo e agora tenho pavor. Perdi a confiança no sistema da Caixa Econômica. Como vou aplicar meu dinheiro em algo que não demonstra seriedade?" A Caixa afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que, enquanto não sair uma decisão final sobre o processo, não se manifestará sobre o assunto.