Jornal Correio Braziliense

Brasil

Levantamento revela que trabalhadoras rurais sofrem agressões domésticas rotineiramente

Escolaridade e engajamento em movimentos sociais não são fator de proteção

O preconceito ainda está marcado na pele de dona Joana (nome fictício), de 57 anos. Acostumada a lidar com a enxada de sol a sol desde cedo, a moradora de Arapiraca (AL) enfrentou rotineiramente uma realidade ainda mais dura: a da violência doméstica. ;Já apanhei de facão, de corda, de pau. Às vezes, não sabia por que estava acontecendo aquilo, mas não tinha como pedir ajuda;, lamenta. Ela afirma que só conseguiu enxergar um lampejo de esperança após relatar os abusos a membros da igreja que frequentava. ;Foi importante o acolhimento das pessoas porque a gente sente vergonha e não sabe até que ponto pode levar os problemas de casa para a rua.; Divorciada, hoje Joana é dona de sua própria vida.

Histórias como a de dona Joana são corriqueiras entre as mulheres que vivem no campo. De acordo com um levantamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (Contag), 55,2% delas já sofreram algum tipo de violência ; psicológica, física ou sexual. Dessas, 63,6% foram agredidas pelo próprio marido. Realizada em 2008, a pesquisa reuniu depoimentos de 529 mulheres de todo país, levando em consideração o nível de escolaridade, o grau de participação social e a situação socioeconômica das entrevistadas.

;O que nos preocupa é saber que, desse grupo, todas têm articulação com entidades sociais. São pessoas bem instruídas e que nem por isso deixam de sofrer com o descaso e a humilhação. Imagine aquelas que não têm esse acesso;, lamenta a secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag, Carmen Foro. A sondagem confirma que 95,4% das mulheres ouvidas têm alguma atuação sindical. Além disso, a grande maioria mantém vínculos com igrejas, associações comunitárias, cooperativas ou partidos políticos.

Sem garantias
Um dado estarrecedor evidenciado pelo estudo é que a independência financeira da mulher parece não ser uma variável relevante no quadro de violência. Das entrevistas, 81,5% não dependiam do marido para sobreviver, sendo que 61,2% se declararam chefes de família. Os números permitem supor que a maioria trata as agressões como problema de foro íntimo, que não deve ultrapassar a porta de casa. Jacinta (nome fictício), 33 anos, pensava assim. Apanhava do companheiro com quem vivia há 12 anos sem nunca ter confidenciado as agruras nem à sua mãe. Até o dia em que teve coragem de se separar e voltar à casa dos pais, localizada em outro município. ;Sempre cuidei da casa e das coisas, então, teve uma hora que não tive medo de abandonar aquela vida para começar tudo de novo. Consegui arrumar outro emprego e tocar minha vida;, conta.

Dentre as formas de violência listadas pela pesquisa, a psicológica foi a responsável pelo maior número de vítimas. Cerca de 73,4% se sentem reprimidas, insultadas, humilhadas pelo companheiro ou por algum parente. Em seguida vem a violência física, sofrida por 51,1% das mulheres.

"Já apanhei de facão, de corda, de pau. Às vezes, não sabia por que estava acontecendo aquilo, mas não tinha como pedir ajuda"
Joana (nome fictício)