Brasil

Ao lado de Goiânia, Fortaleza e Belo Horizonte, a Brasília está entre as que apresentam, as maiores diferenças sociais, diz a ONU

Danielle Santos
postado em 20/03/2010 07:00
Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado ontem, no Rio de Janeiro, apontou quatro cidades brasileiras entre as que mais escancaram suas diferenças sociais: Brasília, Goiânia, Fortaleza e Belo Horizonte. Comparadas a outras 138 cidades no mundo, elas só perdem para Johannesburgo, Buffalo City, e Ekurhuleni, todas sulafricanas, numa lista das 20 cidades mais desiguais. A pesquisa adotou o índice Gini, que leva em conta a renda da população e o acesso a políticas públicas como saneamento básico e água tratada. O método indica que quanto mais próximo da pontuação 1, maior a desigualdade. Brasília obteve 0,6, ficando na 16; posição da lista, seguida por Fortaleza e Belo Horizonte, com o mesmo índice de 0,65, e, portanto, 13; lugar, e por fim, Goiânia, com índice de 0,65 e 10; posição no ranking. Comparado entre aos 63 países analisados, o Brasil foi classificado como um país de desigualdade muito alta, com um índice de 0,58 Gini. Ficou atrás apenas da África do Sul, Zâmbia e Namíbia.

Denilson mora em uma área invadida no Varjão: O documento ; intitulado de Estado das Cidades do Mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido ; reúne dados de países de África, Ásia, América Latina e Caribe. Os dados revelam também que 59% dos latino-americanos acreditam que as reformas urbanas ocorrem para atender a interesses de classes sociais mais elevadas. Na África, esse número sobe para 71%. O relatório conclui que os recursos, muitas vezes, são distribuídos em áreas não prioritárias, por causa de pressões exercidas por grupos de interesse, restando o mínimo de acesso aos centros urbanos mais pobres. De acordo com o especialista em urbanização e saneamento, Onofre Campos, esse modelo apontado pela ONU é um dos motivos que colocam o Brasil entre os mais desiguais. ;Em qualquer lugar do mundo, as políticas públicas sempre giram em torno daquele cidadão que tem mais renda e mais influência na comunidade, e no Brasil não seria diferente;, afirma. O Correio procurou a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades para comentar o relatório, mas foi informado de que só falaria depois de ter acesso ao documento.

No caso de Brasília, por exemplo, o relatório apontou que mesmo com a maior renda per capita do país, 10% da população carecem de água tratada e 15% não têm acesso a esgoto. Joana Cruz, 23 anos, moradora da invasão da Estrutural, retrata bem o drama. Mãe de duas crianças, ela diz que a dificuldade é grande na hora de cozinhar e dar banho. ;Além de não ter algumas coisas básicas, falta lazer e área verde para passear;, reclama a moradora, que vive há 8 anos no local. Joana está entre os 22,4% da população que sobrevivem com um salário mínimo no Distrito Federal, de acordo com o último levantamento da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).

Numa situação parecida, Denilson Silva, 31 anos, morador do Varjão, fala da falta de perspectiva: ;A gente aqui sente medo, insegurança. A energia é feita de forma irregular. Não tem como ficar feliz numa situação dessa, né?;, lamenta o jardineiro que sustenta a esposa e os dois filhos com um salário mínimo.

Na outra ponta da balança ; a dos ricos ;, os dados da Codeplan indicam que é cada vez mais difícil reduzir a desigualdade. No DF, 33,4% das pessoas ganham mais de 20 vezes o salário de Joana e Denilson. ;Brasília tem uma renda per capita acima da nacional e, por isso, a desigualdade vai ser sempre maior se compradas as áreas nobres e as áreas com menos infraestrutura. A solução para impedir essa diferença está no investimento em políticas públicas;, diz a coordenadora de Estudos e Pesquisas da Codeplan, Iraci Maria Peixoto.

; De Pequim a Minas
Ernesto Braga e Flávia Ayer

Para o professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jorge Alexandre Neves, PhD em desigualdades sociais, os dados apresentados ontem no Rio não foram motivo de surpresa. ;Desde os anos 1950, observamos níveis de desigualdade mais elevados em locais de desenvolvimento médio e baixo e essas capitais estão num grau médio de desenvolvimento.;

O professor acrescenta ainda que Belo Horizonte é marcada pela alta qualificação de mão de obra, o que contribui para um índice alto de desigualdade. ;A cidade tem profissionais de remuneração alta. Ao mesmo tempo, apesar de ser circundada por indústrias, é uma cidade de serviço, não é tão rica e tem grande percentual da população com nível de renda baixa;, afirma.

Pequim é a capital mais igualitária do mundo, com valor de Gini de 0,22, seguida da cidade chinesa de Benxi (0,29). O curioso é que nem sempre municípios com menor desigualdade social do mundo são aqueles que oferecem melhor qualidade de vida. Afinal, o mesmo nível de consumo pode estar ligado tanto à pobreza quanto à riqueza.

A diretora executiva da UN-Habitat, um dos braços da ONU, Anna Tibajika, destaca os desafios da urbanização. ;O relatório aponta caminhos necessários para vencer a barreira da divisão urbana;, ressalta.

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