Rodrigo Couto
postado em 21/03/2010 07:00
Enquanto as autoridades brasileiras fecham os olhos para a situação dos índios guaranis de Mato Grosso do Sul, a etnia sofre com os altos índices de suicídio, desnutrição, detenção injusta, alcoolismo e exploração de mão de obra (leia quadro). Relatório produzido pela organização não governamental inglesa Survival International ; e já encaminhado ao Comitê para a Eliminação de Todas Formas de Discriminação Racial (CERD), que integra a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) ; afirma que a condição dos indígenas no estado é uma das piores entre todos os povos nas Américas. A principal causa apontada pelo documento para a drástica realidade enfrentada é a recusa em reconhecer os direitos em suas terras.Com 26 páginas, o relatório faz um alerta sobre a crescente demanda por etanol. De acordo com o texto, a expansão da indústria sucroalcooleira fará com que os guaranis percam mais terras, agravando ainda mais o problema. No documento, a ONG ainda lembra que, em 2008, o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), afirmou que ;o estado será o maior produtor de etanol do mundo dentro de sete anos;. Revoltado com a situação, o índio da etnia Guarani Kaiowá Amilton Lópes diz que seu povo não ganha dinheiro com a cana-de-açúcar. ;Plantávamos cana para próprio consumo, mas as grandes plantações estão ocupando nossas terras. A cana está poluindo nossos rio e aldeias;, denuncia.
Assim como o relatório, o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Mato Grosso do Sul, Egon Heck, ressalta que todos os problemas enfrentados pelos guaranis têm como origem a questão fundiária. ;Sem espaço físico, eles se desestabilizam do ponto de vista familiar e acabam buscando refúgio no suicídio, no alcoolismo e nas drogas;, observa. Em sua avaliação, políticos e grandes latifundiários vêm dificultado qualquer iniciativa para minimizar a drástica situação. ;Sem falar no governo estadual e no Congresso Nacional, que pretendem alterar a lei e tornar menos rígidas as regras que garantem a propriedade das terras aos índios;, critica.
;Esse relatório expõe a situação estarrecedora na qual se encontram os guaranis. É responsabilidade legal e moral do governo brasileiro assegurar que os abusos de direitos humanos e a discriminação racial sofridos pelos guaranis cessem. Caso o governo não haja com rapidez e eficiência, mais índios sofrerão e morrerão;, afirma o diretor da Survival International, Stephen Corry.
Descaso
Estudioso dos guaranis há 37 anos, o antropólogo Rubem Thomas de Almeida lembra que pouco tem sido feito pela etnia no Brasil. ;Por mais que os presidentes da Funai (Fundação Nacional do Índio) tenham dito que os guaranis são prioridade, quase nada de concreto foi viabilizado até hoje;, destaca. ;Se o governo não fizer uma avaliação da possibilidade de comprar as terras dos índios, hipótese já levantada pelo presidente Lula, esse sofrimento não vai ter fim;, acrescenta.
Questionada sobre o conteúdo do relatório elaborado pela Survival International, a Fundação Nacional do Índio (Funai) diz que não recebeu oficialmente o texto da ONG, mas reconhece a situação dos guaranis de Mato Grosso do Sul, ;principalmente no que diz respeito ao acesso da ocupação das terras tradicionais;. Segundo a fundação, os estudos, as demarcações e as homologações de terras indígenas de Mato Grosso do Sul, que são de responsabilidade da Funai, estão sendo paralisados na Justiça por grupos econômicos e políticos locais. ;Um dos exemplos mais recentes foi a homologação, em dezembro de 2009 pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da terra indígena Arroio-Korá, no município de Paranhos (MS), onde, após a publicação do ato no Diário Oficial da União, segmentos da região entraram na Justiça para evitar a decisão do executivo brasileiro.;
Principais problemas
Atualmente composta de aproximadamente 43 mil índios ; contra cerca de 1,5 milhão que viviam no século 16, antes da chegada dos europeus ; a população guarani no Brasil tem vários direitos humanos violados. A etnia no Mato Grosso do Sul sofre com altos índices de suicídios, desnutrição, detenção injusta e exploração de trabalho manual. Veja, abaixo, um resumo dos problemas.
# Violência
Os guaranis sofrem violentos ataques por causa da disputa pela terra e muitos líderes já foram assassinados. Pelo menos 42 índios da etnia foram mortos em Mato Grosso do Sul em 2008 em razão de conflitos internos e externos.
# Suicídio
O índice de suicídio entre os guaranis é um dos mais altos no mundo. Mais de 625 índios cometeram suicídio desde 1981 - quase 1,5% da população guarani - e, em 2005, o índice de suicídio entre os indivíduos dessa etnia foi 19 vezes mais alto do que o índice nacional. Crianças guaranis de apenas nove anos de idade já terminaram com suas próprias vidas.
# Desnutrição e saúde debilitada
Muitos guaranis sofrem de desnutrição, tendo a taxa de mortalidade infantil desse povo indígena atingido mais que o dobro da média nacional. Sua expectativa de vida é bastante reduzida: mais de 20 anos abaixo da média nacional.
# Detenção injusta
Os guaranis são frequentemente detidos injustamente, com pouco ou nenhum acesso a aconselhamento legal e intérpretes. Eles cumprem ;penas desproporcionalmente duras por ofensas leves.;
# Exploração de trabalho manual
Guaranis são forçados a trabalhar no corte de cana-de-açúcar para usinas produtoras de etanol, que atualmente ocupam suas terras. Os índios recebem baixos salários e são submetidos a condições de trabalho sub-humanas.