postado em 23/03/2010 08:21
São Paulo - Com as peças, enfim, distribuídas no Fórum de Santana, na Zona Norte de São Paulo, os protagonistas dos dois lados do tabuleiro iniciaram seus movimentos de forma cuidadosa. Assim, o primeiro dia do julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados de matar a menina Isabella, 5 anos, filha de Alexandre, foi marcado por um revés e um contra-ataque.Na composição do júri, formado por sete pessoas, a maior presença de mulheres - quatro contra três - acabou tornando-se uma desvantagem para o casal e para a defesa. A carta na manga, na tentativa de atenuar a matemática desfavorável, pegou todos de surpresa: o advogado de Alexandre e Anna Carolina, Roberto Podval, pediu ao juiz Maurício Fossen, que preside o júri, que os sete jurados compareçam hoje ao apartamento em que ocorreu o crime, na Villa Mazzei, Zona Norte da capital. A intenção da defesa era mostrar aos jurados que o casal de réus não teria como jogar Isabella Nardoni pela janela, como sustenta a acusação.
Fossen negou o pedido, mas, de acordo com juristas ouvidos pelo Correio, o advogado pode insistir, e basta que um dos jurados acredite ser indispensável ir à cena do crime para que ele seja conduzido até lá, como quer a defesa dos Nardoni.
O julgamento começou com pelo menos duas horas e meia de atraso. O principal motivo foi uma pequena confusão na hora de compor o Conselho de Sentença. "Cinco dos sete jurados nunca estiveram num tribunal e tiveram que ser orientados pelo juiz para participar do julgamento", explicou um técnico da Justiça de São Paulo.
Normalmente, a Justiça convoca 20 pessoas comuns para compor o júri. Como se trata de um caso complexo, foram intimados 40. Desses, apenas 28 compareceram ao Fórum de Santana. Um jovem de 21 anos foi vestido com uma bermuda, camiseta e tênis. Por causa dos trajes, teve de ser dispensado. Outras seis pessoas simplesmente disseram que não queriam fazer parte do julgamento e acabaram dispensadas pelo juiz. Outro jovem de 22 anos, universitário, teve um ataque nervoso ao entrar no tribunal e começou a chorar. Também foi mandado para casa. E uma senhora de 35 anos não resistiu a emoção e também entrou em prantos, mas foi acalmada e convencida a ficar.
Depois de duas horas, o juiz Maurício Fossen conseguiu compor o Conselho de Sentença, formado por sete pessoas. Mas o promotor Francisco Cembranelli e o advogado Roberto Podval resolveram rejeitar um jurado, cada. Mais duas pessoas tiveram de ser sorteadas.
Só então os réus puderam entrar no tribunal. Anna Carolina Jatobá, acusada de aplicar um golpe na testa de Isabella e asfixiá-la com as mãos, foi a primeira a entrar. Ela vestia calça jeans e uma blusa rosa. Não estava algemada. Ao encarar os jurados, o juiz e o promotor, teve um ataque nervoso. Começou a chorar, alegando que sentia dores no estômago. Teve de ser retirada para atendimento médico.
Quando Anna Carolina estava no ambulatório, Alexandre Nardoni, que, segundo a acusação, foi quem jogou a menina pela janela, entrou no tribunal calmo. Vestia calça jeans clara e uma camisa polo azul e branca. Não esboçava emoção alguma. Meia hora depois de sentar no banco dos réus, sua mulher foi levada de volta, já medicada. Eles se olharam pela primeira vez em quase dois anos, mas não puderam trocar uma palavra sequer. Como o julgamento deverá durar até sexta-feira, os dois vão dormir, separadamente, em carceragens da Justiça de São Paulo, no Fórum da Barra Funda.
Capítulo 1
Expectativa
Desde muito cedo, inúmeros curiosos e manifestantes compareceram ao Fórum de Santana, na Zona Norte, com cartazes que, basicamente, pediam justiça. "Tenho dó dessa mãe, que teve a filha assassinada pelo próprio pai de maneira violenta", lamentou a estudante Rita dos Santos, 22. Em meio a uma espécie de senso comum, um homem, que dizia ser da Assembleia de Deus, iniciou uma pregação e destacou que o julgamento do casal não compete à Justiça. "Quem julga é Deus. E Deus já perdoou." Ainda pela manhã, o pedreiro que estava sumido, Gabriel dos Santos Neto, apareceu ontem e deverá testemunhar hoje. Ele disse, na época do crime, que a obra na qual trabalhava, nos fundos do prédio onde a garota foi assassinada, amanheceu com o portão arrombado. A defesa dos réus sustenta que uma terceira pessoa poderia ter entrado por lá e matado a menina. As manifestações, que entraram pela tarde, com o início do julgamento, esvaziaram ao cair da noite, quando uma chuva fina dispersou quem protestava no local.
Irritação
Por volta das 12h30, o pai de Alexandre e sogro de Anna Carolina Jatobá, Antônio Nardoni, chegou ao fórum e entrou com familiares pela porta da frente. A população que estava no local o vaiou, o que deixou Antônio visivelmente irritado. Mais tarde, ele desceu para conversar com parte dos jornalistas e disse que, se o casal for condenado, será uma das maiores injustiças do país, fazendo referência ao caso de uma mãe que foi acusada de colocar cocaína na mamadeira da filha, e aos donos da Escola Base, acusados de abusar sexualmente de crianças em 1994.
Esperança
Quando a mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira, chegou, por volta das 12h45, populares bateram palmas e gritaram palavras de carinho. Às 22h, o primeiro dia de julgamento foi encerrado e apenas Ana Carolina foi ouvida. Durante o depoimento, mostrou-se muito abalada, chorou em diversas oportunidades e reforçou o "comportamento explosivo" do ex-marido.
Operação de cinema e vários coadjuvantes
Helicópteros, sirene da polícia soando a todo instante, ruas interditadas e uma multidão de curiosos aglomerada na porta do fórum de Santana, na Zona Norte de São Paulo. O primeiro dia do julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá foi movimentado. Nem a chuva que caiu no fim da tarde fez os curiosos dispersarem. Populares levaram máquinas fotográficas para tentar registrar imagens dos réus. "Não consegui nem ver nada. Eles entraram separadamente em carros blindados", disse a vendedora Francisca do Rosário, 34 anos. Ela deixou de trabalhar ontem para acompanhar o julgamento do lado de fora do fórum.
Alexandre e Anna Carolina saíram da prisão, em Tremembé, a 150 quilômetros de São Paulo, às 4h da manhã. A segurança policial envolveu 30 batedores que interditaram as ruas em que o comboio ia passando. Por volta das 11h30, o casal de réus entrou no fórum e ficou em salas separadas até as 15h30, hora em que entraram no Tribunal do Júri.
Pelo menos 100 estudantes de direito também compareceram para tentar acompanhar o julgamento do casal, mas apenas 12 estavam credenciados. Os demais ficaram do lado de fora acompanhando a movimentação. "Para nós, é um momento importante. Os professores falam desse caso há dois anos e achei importante acompanhar de perto", contou o universitário Jorge César Araújo, 24 anos. Ele veio de ônibus de Pato de Minas, interior de Minas Gerais, para ver de perto o destino que o júri vai dar ao casal de réus.
No fim da tarde, os manifestantes engrossaram os protestos, o que levou a Polícia Militar a reforçar a segurança. Um coro de populares começou a gritar "assassinos" por volta das 15h30, momento em que o julgamento começou. "Viemos aqui para prestar solidariedade à família de Isabella e tentar convencer o júri de que esses monstros têm de pegar pena máxima", justificou a dona de casa Karina Hequeliana, 34 anos, vizinha do fórum de Santana.