postado em 29/03/2010 08:34
As primeiras apostas ocorrem mais tarde, por volta dos 40 anos. O quadro patológico aponta menos impulsividade. Mas o tempo que os idosos levam para procurar ajuda, em relação à população adulta viciada em jogo, é quase o dobro. São cerca de sete anos, entre perdas econômicas e sociais graves, para que pessoas de mais de 60 anos busquem algum tipo de tratamento ; contra uma média de quatro anos entre os adultos. A análise de gênero somente entre o grupo dos idosos revela um dado ainda mais alarmante: enquanto os homens desenvolvem a patologia em um período de duas décadas, aproximadamente, são necessários apenas quatro anos para as mulheres se tornarem doentes compulsivas.Os dados fazem parte de uma tese de mestrado elaborada no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), com 585 pacientes atendidas no Ambulatório de Jogo Patológico do Hospital das Clínicas. Segundo a autora do estudo, a psicóloga Cecília Galetti, os resultados sugerem uma vulnerabilidade maior entre as mulheres no que diz respeito à dependência de jogo. ;Tal fenômeno já tinha sido apontado em populações adultas e agora se repete na população idosa. Parece, portanto, mais uma questão de gênero do que de idade;, destaca a especialista. A condição hormonal é uma das causas, segundo ela, mas há também fatores genéticos, sociais e psicológicos. Cecília explica, porém, que o objetivo da pesquisa foi traçar um perfil sociodemográfico e comportamental dos pacientes, e não analisar as causas da doença.
Em relação aos 50 idosos participantes do estudo, a maioria tem grau de instrução baixo, condição financeira razoável e mora sozinha. Tais aspectos, para Cecília, são muito importantes do ponto de vista da prevenção e tratamento. ;Uma menor escolaridade em relação aos adultos, por exemplo, provavelmente vem do fato de que, antigamente, o acesso ao ensino era mais restrito. Mas não podemos deixar de levar o dado em consideração, pois isso pressupõe que os idosos têm pouco acesso à informação sobre a doença e ao tratamento;, destaca Cecília.
Dependência
O arranjo familiar e a renda também são outros fatores de risco. ;Veja que são pessoas com dinheiro, na maioria aposentadas, e sem companhia em casa, o que pode deixá-las mais expostas;, diz. Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, José Jorge de Carvalho destaca que a dependência de jogo se assemelha muito com os problemas envolvendo álcool e drogas. ;Uma pecualiaridade talvez torne o jogo mais complicado ainda. É que esse vício tem relação direta com o dinheiro, principal símbolo de poder na sociedade atual;, destaca Carvalho. Ele aponta as modalidades eletrônicas, como máquinas caça-níquel e videobingos, como as preferidas atualmente de jogadores compulsivos ; percepção avalizada pela pesquisa. ;É claro que tem viciado em tudo que é tipo de jogo. Mas no caso da máquina, o sujeito ignora que ele não tem chance de ganhar, porque os equipamentos são todos programados;, afirma o professor.
Roberto (nome fictício) sabe exatamente como é tal sensação. Ele fez o caminho clássico dos jogadores. ;Comecei meio na brincadeira, com baralho, depois fui para o bingo até chegar nas máquinas;, lembra. Nesse percurso, vendeu o único bem que tinha conquistado com muito sacrifício, um automóvel. ;E acumulei dívidas com financeiras, bancos e cartão de crédito que davam para comprar mais uns dois carros;, ressalta. O vício também tirou o ganha-pão do homem, hoje com 55 anos. Devido à falta de concentração e ao desequilíbrio emocional diante de tantos credores o cobrando, Roberto acabou demitido da empresa onde trabalhava como ferroviário, em São Paulo, havia 23 anos. Oito anos atrás, ele decidiu procurar ajuda. ;Tenho evitado, dia após dia, fazer a primeira aposta;, conta o hoje aposentado.
Jogadores Anônimos
Nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos (AA), os Jogadores Anônimos (JA) foi criado nos Estados Unidos e já está presente em 11 estados brasileiros. Roberto frequenta as reuniões de um núcleo na capital paulista. Ele faz parte das cerca de 300 pessoas atualmente atendidas pelo JA no país. ;Há gente com problemas dos mais variados. Desde viciados em cartelinhas de bingo, baralho, jogo do bicho, corrida de cavalo e até compulsivo por Mega Sena;, conta Roberto. Os processos de tratamento, de acordo com Cecília, são análogos a uma recuperação de dependência química.
;Os sintomas de abstinência se parecem muito. Assim como a tolerância, durante o desenvolvimento da compulsão. É aquela história, a pessoa começa jogando R$ 5, depois essa quantia já não tem mais graça. E ela passa para os R$ 50;, explica. Saber quando o hábito de jogar passa da recreação e lazer para a doença depende, inicialmente, de uma autoanálise. A psiquiatra Cecília ressalta que o indivíduo deve responder, de forma sincera, a duas perguntas-chave. ;Se já se comprometeu a parar ou diminuir o jogo e não conseguiu. Outra questão é se já mentiu, para quem quer que seja, para encobrir a extensão do seu envolvimento com o jogo. Responder sim a qualquer uma das indagações é sinal de pro lema;, diz a especialista. Na ausência de uma clínica especializada em jogo compulsivo, como a que existe no Hospital das Clínicas, em São Paulo, ou do grupo JA, procurar um psicólogo ou psiquiatra pode ser um bom início. No Distrito Federal, não há filial do JA ainda.
Do lazer para a doença
Pesquisa da USP traça perfil demográfico e comportamental de 585 pacientes diagnosticados como jogadores compulsivos ; 535 adultos e 50 idosos.
Confira os dados:
Perfil geral dos pesquisados
Idade média: pouco mais de 40 anos
Escolaridade média: pelo menos 2; grau
Classe econômica: média
Diferenças substanciais entre pacientes adultos (18 a 59 anos) e idosos (60 anos ou mais)
ADULTOS: Progressão da doença lenta para rápida, com maior impulsividade.
Tempo que leva para procurar ajuda: 4 anos
IDOSOS: Progressão da doença lenta, com menor impulsividade.
Tempo que leva para procurar ajuda: 7 anos
Considerações importantes verificadas entre a população idosa viciada, por gênero
IDOSOS: Idade média em começa a jogar 27 anos.
Tempo necessário para desenvolver patologia: 20 anos.
IDOSAS: Idade média em começa a jogar: 47 anos.
Tempo necessário para desenvolver patologia: 4 anos
Principais tipos de jogos relatados
Jogo eletrônico (videobingo, máquinas caça-níqueis, entre outros) é o número 1 entre os pacientes
Bingo de cartela, corrida de cavalo, dominó, entre outros, também aparecem nos relatos, mas com menos frequência.
Fonte: Universidade de São Paulo (USP).
Bingos na pauta
Está agendada para esta semana, na Câmara dos Deputados, uma comissão geral sobre o projeto que legaliza os bingos e máquinas caça-níquel no Brasil, listado como prioridade do semestre na pauta do plenário da Casa. Na ocasião, todos os parlamentares serão chamados para debater o tema junto com especialistas. Há um clima de apoio à matéria - somente DEM, PSDB e PSOL são contrários.
Entre os favoráveis ao retorno das casas de jogos, o argumento é econômico. Estudo realizado pela Força Sindical apontou o fechamento de 320 mil postos de trabalho com o fim dos bingos. Por outro lado, a falta de estrutura para fiscalizar a relação entre jogatina e lavagem de dinheiro, entre outros crimes associados, é apontado pelo grupo que ataca o projeto.
A psicóloga Cecília Galetti, que trabalha no Ambulatório de Jogo Patológico do Hospital das Clínicas em São Paulo, ligada à Universidade de São Paulo, e acabou de concluir um estudo sobre o perfil dos pacientes, não se ampara em nenhum dos argumentos presentes no debate dentro do Congresso Nacional. ;Como profissional da área da saúde, como uma pessoa que tem formação técnica no assunto, sou contra;, enfatiza.
Apesar da triste realidade de muitos jogadores compulsivos, o aspecto da saúde parece não ter vez mesmo no Legislativo. Por enquanto, os especialistas convidados são representantes dos ministérios da Justiça, da Fazenda e profissionais da Receita Federal. O movimento organizado a favor da legalização dos bingos também estará presente na audiência.