postado em 02/04/2010 10:13
A crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos desencadeada com a disputa pela guarda do menino Sean Goldman está longe do fim e abriu precedentes para batalhas que podem afetar até mesmo as exportações brasileiras. Se depender da Fundação Bring Sean Home (traga Sean para casa), o caso do garoto com dupla nacionalidade que retornou para os Estados Unidos em dezembro com o pai biológico foi só o primeiro. A instituição criou uma rede internacional na tentativa de solucionar casos como o de Sean. Pelo menos sete crianças que estão no Brasil vêm sendo monitoradas pela fundação. Segundo a fundação, o epísodio envolvendo Sean serviu de aprendizado, e a entidade diz que o trabalho não acabou com o retorno do menino aos Estados Unidos. ;É só o começo de uma luta por outras 2,8 mil crianças americanas e canadenses que foram sequestradas contra sua vontade e levadas para países estrangeiros;, afirma a fundação.
[SAIBAMAIS]Entre as ferramentas adotadas pelo grupo, estão a mobilização social, inclusive por meio de doações, e a pressão sobre as autoridades. ;Nunca imaginamos que poderíamos alcançar o presidente do Brasil e dos Estados Unidos;, diz o texto de apresentação do site. A fundação pede mudanças na legislação e a aprovação de uma proposta no Congresso restringindo o acesso brasileiro ao Sistema Geral de Preferências (SGP). Esse modelo é usado para exportar cerca de 10% dos produtos que o país vende aos Estados Unidos anualmente. Em 2008, o Brasil teria recebido mais de US$ 2,75 bilhões por meio do SGP. A restrição seria adotada enquanto o Brasil não cumprisse as obrigações(1) previstas na Convenção de Haia.
Na justificativa do projeto, são utilizados dados da Autoridade Central da Presidência da República segundo os quais pelo menos 64 crianças que moravam nos Estados Unidos foram trazidas para o Brasil.
No site da fundação há o convite para ;participar da rede e ajudar a conseguir que uma nova legislação passe no Congresso, dando ao governo norte-americano mais ferramentas para forçar a repatriação de crianças americanas;. Segundo a entidade, Sean seria a primeira criança a voltar do Brasil. No Japão, diz a fundação, nenhum menor de idade teria retornado aos Estados Unidos nos últimos 50 anos. O país oriental, como o Brasil, está na mira da associação.
Advogado de David Goldman, Ricardo Zamariola afirma que o site, assim como a fundação, não foi criado pelo pai de Sean, apesar das citações de seu nome. ;São amigos da família.; Com relação às críticas ao Brasil, Zamariola afirma que a maioria das opiniões publicadas no site é desqualificada. Atualmente, o advogado é responsável por 10 processos envolvendo a guarda internacional de crianças. Inclusive no caso de Sean, cujo processo ainda não terminou. A família brasileira entrou com dois recursos nos tribunais superiores na tentativa de reverter a decisão.
Outros casos
David Goldman virou herói para os estrangeiros em situação semelhante. Um holandês, pai de um menino de 6 anos, aguarda o julgamento do caso em Manaus e ficou mais esperançoso. O garoto veio para o Brasil com a mãe passar férias e não voltou. O pai alega que não consegue visitar o filho e pede que a criança volte para casa.
O caso de três irmãos que viviam na França e agora estão em Fortaleza também é acompanhado pela rede internacional. Segundo o pai das crianças, desde 2006 a Autoridade Central francesa negocia com o governo brasileiro, que afirma não ter localizado as crianças.
1 - Cooperação
Em 1995, o Brasil se tornou signatário da Convenção de Haia, um tratado de cooperação internacional criado em 1993 que define, entre outras ações, medidas para a proteção de crianças, como a prevenção do sequestro, da venda ou do tráfico de menores de idade. Os estados que firmaram o documento reconhecem que, ;para o desenvolvimento harmonioso de sua personalidade, a criança deve crescer em meio familiar, em clima de felicidade, de amor e de compreensão. Recordando que cada país deveria tomar medidas adequadas para permitir a manutenção da criança em sua família de origem;.
PARA SABER MAIS
Atuação da autoridade
Nos casos de sequestro internacional de crianças trazidas para o território brasileiro por pais brasileiros ou estrangeiros, a atuação do órgão começa no momento em que recebe o pedido de restituição da criança, que é enviado pela Autoridade Central do outro país. Analisa-se o pedido e a Autoridade Central notifica a Interpol (polícia internacional) para que localize o menor de idade no prazo de 48 horas. A Polícia Federal pode ser acionada no caso de a criança ter sido trazida por estrangeiros e se os mesmos estiverem vivendo em situação irregular no país.
Quando os pais são brasileiros, após a localização da criança pela Interpol, a Autoridade Central faz a notificação direta informando sobre o pedido de restituição ou direito de visitas, propondo uma solução amigável. Se não houver acordo, o caso é remetido para o Departamento Judicial Internacional da Advocacia-Geral da União. O processo é iniciado na Justiça Federal na cidade em que a criança se encontra. A partir daí, a Autoridade Central depende das informações processuais para encaminhá-las à Autoridade Central estrangeira.
Na expedição de ordem de busca e apreensão da criança, a Autoridade Central tem a obrigação de prestar assistência para o retorno da criança ao país requerente.
MEMÓRIA
Batalha judicial
Sean Goldman nasceu em 2000 nos Estados Unidos. Quatro anos depois, veio com a mãe, Bruna Bianchi, passar férias no Brasil, mas os dois não retornaram. Ela se casou novamente e morreu no parto da segunda filha. O pai biológico, David Goldman, iniciou uma batalha judicial para levar o menino de volta, e a família brasileira, para que ele permanecesse em território nacional.
Em dezembro de 2009, depois de o assunto ter sido discutido pelas autoridades brasileiras e ganhar destaque na imprensa, a avó materna do garoto entrou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para que Sean ficasse no Brasil. A Justiça Federal, onde tramitava a ação do pai biológico, determinou que o menino fosse entregue a David. Entretanto, o ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, aceitou o recurso da família brasileira e decidiu que o garoto deveria permanecer no país até ser ouvido pela Justiça.
Em 22 de dezembro, a decisão do ministro Gilmar Mendes, a favor da devolução do garoto ao pai, foi baseada na jurisprudência da Corte. Dois dias depois, Sean retornou com David para a América do Norte.