Joana Tiso
postado em 10/04/2010 08:16
Rio de Janeiro - Na manhã de ontem, um grupo de aproximadamente 50 bombeiros completou 24 horas seguidas de trabalho no Morro do Bumba, no bairro do Cubango, em Niterói, Região Metropolitana do Rio, onde cerca de 50 casas foram soterradas numa avalanche de terra e de lixo. Essa é a rotina dos homens que buscam sobreviventes desde o temporal de segunda-feira. A ajuda vem de voluntários - moradores que tentam colaborar de qualquer maneira, nem que seja com um copo de água - e de vítimas em busca de familiares desaparecidos.
O trabalho foi lento e teve o auxílio das máquinas na retirada de toneladas de lama. A escuridão durante a noite e a água que insiste em cair atrapalharam o resgate. Quem escapou do deslizamento sofre com a falta de esperança de encontrar parentes vivos. É o caso de Júlio César Carvalho, que escutou um estrondo que vinha da área onde ficava a casa de sua irmã. Ela, o pai e um sobrinho de Júlio foram soterrados. "Fui tomar banho em casa, ouvi o barulho e voltei correndo. Quando cheguei aqui, vi esse troço todo descendo", contou.
O resgate de um cachorro, que sobreviveu embaixo dos escombros por três dias, renovou a fé em encontrar alguém com vida, o que parecia impossível para quem acompanhava o trabalho de salvamento. "Ele estava lá embaixo. De repente tem gente com vontade de viver também. Vamos trabalhar para isso", comemorou um bombeiro. Para o subcomandante do Corpo de Bombeiros, coronel José Paulo Miranda, porém, será difícil resgatar sobreviventes do local.
A dor aumentava à medida que crescia o número de mortos e as vítimas escutavam as notícias de que a tragédia poderia ter sido evitada. Como as casas da região foram construídas sobre lixo acumulado, o deslizamento foi devastador. Para piorar, a sobrevivência dos soterrados nesse tipo de solo é ainda mais improvável.
[SAIBAMAIS]Segundo especialistas, houve avisos de uma possível tragédia na encosta. Professores da Universidade Federal Fluminense (UFF) foram ao local - construído num lixão desativado - e fizeram um relatório, recomendando a retirada da população por conta do alto risco de acidente.
Periferia esquecida
Em 2004, o Instituto de Geociência da Universidade Federal Fluminense (UFF) condenou a área que desabou nesta semana num trabalho entregue à prefeitura na gestão de Godofredo Pinto. Os moradores argumentam que nunca foram informados de nada. O atual prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, que administra a cidade pela quarta vez, confessa que é difícil impedir a ocupação irregular. Ele argumenta também que não sabia do perigo: "Nunca houve uma sinalização sobre o problema. Caso contrário, a gente teria agido de imediato".
O fato é que o Morro do Bumba cresceu diante da vista grossa dos governantes, que chegaram a fazer melhorias na comunidade, como a construção de escola e obras de urbanização. A impressão que fica entre os moradores de Niterói é de que o poder público cuidou bem da área nobre, revitalizada, mas esqueceu da periferia.
Até as 20h de ontem, havia 27 mortes na comunidade. De acordo com o governador do Rio, Sérgio Cabral, o número pode chegar a 150. "É estarrecedor. Uma previsão dramática, muito dura, possivelmente mais de 100 corpos. Entre 100 e 150, pelos cálculos do Corpo de Bombeiros e pelas informações levantadas", disse. O secretário municipal de Segurança e Defesa Civil, Marival Gomes, estimou em pelo menos 600 o número de famílias que tiveram as casas destruídas.
Cabral anunciou que os municípios de Niterói e de São Gonçalo receberão, cada um, R$ 35 milhões dos R$ 200 milhões destinados pelo governo federal para a recuperação do impacto gerado pela chuva. "Isso foi um alerta grande. Uma demonstração de que é necessário fazer ações para impedir a ocupação irregular", completou o governador.
E mais...
Moradias condenadas
Além de causar tragédias, com mais de 180 mortes no estado, as chuvas comprometeram a estrutura de vários bairros de Niterói. O secretário municipal de Segurança e Defesa Civil, Marival Gomes, estimou em pelo menos 600 o número de famílias que tiveram as casas condenadas e precisarão ser realocadas. "Diminuíram os riscos, mas ainda temos áreas que nos preocupam muito. Choveu a madrugada toda e durante esta manhã (de ontem), o que torna os trabalhos mais lentos. Temos que ter cuidados com a vida dos bombeiros e do pessoal da Defesa Civil."
Cartório provisório
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro montou uma unidade móvel para fazer a perícia e a identificação dos corpos retirados da lama no Morro do Bumba, em Niterói. O serviço vai funcionar 24 horas por dia dentro de um ônibus, com apoio de 10 funcionários. Também foi montado um cartório, em outro ônibus, para fazer a segunda via de documentos dos moradores vitimados na avalanche do antigo lixão, que cobriu dezenas de casas. As iniciativas foram anunciadas pelo presidente do tribunal, desembargador Luiz Zveiter.
Tragédia na Bahia
O estado do Rio não é o único que passa por sérios problemas por causa do temporal. As fortes chuvas que atingem a Bahia resultaram na morte de três pessoas até o momento, nos municípios de Santana, Teolândia e Prado. De acordo com a Defesa Civil do estado, 15 cidades foram atingidas por tempestades e ventanias. Em Salvador, apesar de a chuva ter diminuído ontem, as aulas nas escolas municipais permanecem suspensas. Segundo o coordenador da Defesa Civil do estado da Bahia, Antônio Rodrigues, a única ocorrência grave na capital baiana foi um desabamento de um prédio em construção, mas que não feriu ninguém gravemente.