Daniela Almeida
postado em 15/04/2010 08:25
O setor privado, responsável por quase o triplo de investimentos feitos no Brasil em relação aos recursos governamentais, pode sair prejudicado com a aprovação do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Especialistas apontam o risco na alteração da economia brasileira para um modelo mais intervencionista, sugerido pelo programa. Dados do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) mostram que a iniciativa privada investiu, sozinha, R$ 366 bilhões em 2009, 12,2% do Produto Interno Bruto Nacional (PIB, que representa a soma das riquezas do país). O governo e as estatais, em contrapartida, investiram R$ 135 bilhões, ou 4,5% do PIB.De acordo com advogados tributaristas, constitucionalistas e economistas, o PNDH promoveria uma intervenção maior do Estado por meio de ações como a participação de sindicatos e a implantação do imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição Federal. Para o coordenador da pós-graduação de direito tributário da Faculdade Milton Campos, Sacha Calmon, as recomendações do programa seriam inconstitucionais. Ele aponta o artigo 170 da Constituição, que diz que a ordem econômica brasileira será fundada, entre outros, na livre iniciativa, na propriedade privada e na livre concorrência. ;O Brasil optou em sua Constituição pela livre iniciativa, dizendo que o Estado só intervém na economia quando há um desequilíbrio. A intervenção se faz no momento de crise. O que eles querem é fazer essa baboseira que se está fazendo na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Querem substituir a economia de mercado por uma economia semissocialista. Estão esquecendo das dificuldades por que passam esses regimes;, comenta.
O economista Paulo Rabello de Castro, presidente da SR Rating, questiona a amplitude do PNDH. ;Não consigo enxergar direção nem rumo certo no programa. Ele é amplo demais e portanto desfocado. Conforme está descrito, cabe qualquer interpretação, posso desde não fazer nada até uma revolução trotskista. Ele acaba não sendo útil.;
Uma crítica unânime nesse tema é a recomendação feita pelo PNDH de regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. Previsto no artigo 153 da Constituição Brasileira de 1988, a taxação nunca chegou a ser implementada no país, mas incidiria sobre a fortuna de pessoas físicas. Os críticos, no entanto, fazem coro na hora de dizer que o imposto, além de não ter funcionado nos países em que chegou a ser regulamentado, é facilmente burlado e gera a evasão de recursos para outros países.
Ricos e pobres
;O imposto não foi regulamentado porque todos sabem que ele tem baixíssima produtividade fiscal. Foi o que ocorreu nos países que tentaram identificar grandes fortunas. Ter um adjetivo no nome, aliás, é perigosíssimo, porque é difícil de definir ;grande;. Na prática, ele acaba sendo definido como um imposto sobre fortuna imobiliária, de recursos que não se consegue deslocar. Ou seja, vira o imposto da viúva que tem muitos imóveis. Os ricos mesmo colocam seu dinheiro sob a capa de uma pessoa jurídica, que pode inclusive estar localizada no exterior. Mais uma vez, só vai pegar os pobres;, alerta o economista. A opinião é compartilhada por Calmon, que aponta a taxação por meio das alíquotas do Imposto de Renda ou a tributação maior sobre o patrimônio como outras alternativas.
Para o advogado constitucionalista Ives Gandra, o imposto não funcionaria porque o Estado não redistribuiria os recursos. ;Isso é querer tirar dos ricos para dar aos pobres. E nos meus 53 anos de experiência de advocacia, nunca é o Estado quem redistribui as riquezas. O Estado recebe e redistribui para si mesmo. O orçamento da cidade de São Paulo para 11 milhões de habitantes é de R$ 28 bilhões. No orçamento de 2010, R$ 183 bilhões são destinados a 675 mil servidores públicos da União, ou seja, seis vezes mais que o orçamento do município. Dizer que o Estado está redistribuindo riqueza... Para quem?;
Apesar de não ser defensor do imposto sobre grandes fortunas, o pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea Claudio Hamilton Matos dos Santos pondera que a recomendação traz à tona a importância de rediscutir a aplicação tributária no país. Para Santos, a forte taxação em impostos invisíveis à população, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) prejudica a distribuição de renda no país. Isso porque ricos e pobres pagam, exatamente, a mesma quantia para consumir serviços e produtos. ;A alternativa a isso é fazer como os grandes países, tributar a renda e o patrimônio. São mais progressivas e transparentes. A arrecadação do ICMS em 2009 foi de 7,3% do PIB. A do IPTU não deve ter ultrapassado 0,6% do PIB, 12 vezes menor do que a do ICMS.;
A intervenção de sindicatos no processo de licenciamento ambiental para investimentos da iniciativa privada é outra crítica ao PNDH levantada por especialistas. Para Castro, a recomendação ;ultrapassa limites;. ;O programa parece querer atingir a democracia direta. Em tudo se percebe a vontade de ver o povo participando diretamente dos processos decisórios e como o povo em geral só está na hora do voto, ele preestabelece grupos sociais e econômicos. Mas uma convenção coletiva encerraria a questão. Sindicato não tem nem capacidade nem legitimidade formal para determinar a viabilidade ambiental. É um deslocamento de função.;
Outro ponto levantado por especialistas é que a indicação do PNDH de inserir os sindicatos em um processo já burocrático para a iniciativa privada, colocada na rua, inviabilizaria uma série de investimentos. ;Se por um lado tem mais participação popular, por outro, um dos motivos pelos quais o Brasil investe tão pouco ; o investimento público gira em torno de 2% do PIB ; não é a falta de recursos, mas o fato de que não se consegue tocar a obra. Ou porque não obtém o licenciamento ambiental, ou porque não consegue o aval dos órgãos públicos. Se em princípio fica mais democrático, quanto mais dificuldades no processo, menos investimento você vai ter;, explica Santos.
Diretriz 5:
Valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento.
Objetivo estratégico I:
Garantia da participação e do controle social nas políticas públicas de desenvolvimento com grande impacto socioambiental.
Ações programáticas:
g) Apoiar a incorporação dos sindicatos de trabalhadores e centrais sindicais nos processos de licenciamento ambiental de empresas, de forma a garantir o direito à saúde do trabalhador.
Responsáveis: Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério da Saúde