postado em 19/04/2010 07:00
O desembargador Roberval Casemiro Belinati, presidente da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, é um defensor da lei modificada que culminou em diminuição de pena para estupradores condenados antes mesmo da alteração legal. Ele considera que as sanções aplicadas pelo texto antigo eram exageradas. ;Atualmente, ao revisar tais casos, temos aumentado o tempo pelo estupro e extinguido a condenação pelo atentado violento ao pudor, de forma que a pena final geralmente é fixada entre 8 e 10 anos, um tempo suficiente e adequado, na minha opinião;, explica. Belinati afasta a possibilidade de magistrados, na reavaliação de antigos processos e no julgamento dos recentes, deixarem de considerar condutas diversas da conjunção carnal, praticadas pelo criminoso, na hora de sentenciá-los. ;O juiz agravará a pena conforme as circunstâncias do caso. Não vejo risco de os vários atos cometidos serem ignorados;, ressalta.Opinião bem diferente tem a procuradora do Ministério Público de São Paulo Luiza Nagib Eluf. ;A prática dos nossos tribunais é de sempre aplicar a pena mínima. E quando se aumenta, é muito pouco. Eu sou a favor de penas altas para estuprador;, destaca a procuradora. Um caso concreto ocorrido no DF sugere certa timidez no aumento da punição, conforme mencionou Luiza. O agressor, em 14 de junho de 2003, estuprou, fez sexo anal e oral com uma vítima. Quatorze dias depois, praticou os mesmos atos com outra mulher. No julgamento, o juiz considerou continuidade delitiva entre os crimes. Ou seja, o estupro contra a segunda pessoa era uma continuidade, e não um novo crime. Da mesma forma, o atentado violento ao pudor (na lei da época, caracterizado pelo sexo anal e oral).
De tal entendimento, chegou-se a uma pena de seis anos pelo estupro da primeira vítima com o aumento de um ano pelo mesmo crime cometido contra a segunda. Com o atentando violento, o raciocínio e a pena foram os mesmos, totalizando 14 anos. Depois da alteração da lei, que aboliu o atentado violento, o juiz Luís Carlos de Miranda, o mesmo que libertou o assassino de Luziânia, Ademar de Jesus Silva, cortou pela metade a pena do agressor, progredindo-o de imediato para o regime aberto. Na avaliação da promotora da Vara de Execuções Penais do DF Maria José Miranda, tal caso começou errado desde a primeira instância. ;É um acinte considerar continuidade entre crimes com vítimas diferentes. Se fosse com a mesma vítima, poderia até fazer sentido. E o aumento da pena em dois anos pela segunda agredida é outro ponto lamentável;, opina.
Jurisprudência
Para o juiz Fernando Barbagalo, o aumento da pena em virtude da continuidade delitiva não passa de paliativo. ;O correto é interpretar os fatos como eles ocorreram. Mas há uma grande dificuldade de se debater o tema do crime sexual de maneira aprofundada;, diz. O defensor público no Distrito Federal Michel de Souza Lima pensa da mesma forma. ;Embora na minha avaliação tenha sido um avanço fundir os dois tipos penais (conjunção carnal e atentado violento ao pudor), acho ruim a lei falar em ;atos libidinosos;. Por que não usar palavras diretas, como sexo anal, sexo vaginal, sexo oral?;, indaga. Apesar de poucos casos já terem chegado ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, não houve ainda formação de jurisprudência. Para combater o entendimento de crime único, o Ministério Público do DF tem invocado a tese da proteção deficiente (1) do Estado.
1 - Risco de violações
Trazida da doutrina e da jurisprudência alemã, a proteção deficiente do Estado é usada quando aponta para uma espécie de garantismo positivo, ou seja, quando a omissão do Estado coloca em risco um direito do cidadão. O próprio STF já se utilizou de argumentação nesse sentido, em 2006, ao julgar o caso de um homem que estuprou uma menina dos 9 aos 12 anos. Quando ela engravidou, o réu constituiu união estável com a criança, o que, pela lei da época, o livraria da acusação. O ministro Gilmar Mendes, na ocasião, ressaltou que deferir o livramento seria ;blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade;. A intenção de promotores contrários à tese de crime único após a mudança na lei é que um entendimento sobre assunto seja firmado pelo STF.
Juiz Roberto Barbagalo fala sobre a mudança na lei de crimes sexuais
Adel El Tasse, especialista em direito penal, fala sobre a mudança na lei de crimes sexuais
Desembargador Roberval Belinati fala sobre a mudança na lei de crimes sexuais