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Entrevista com João Carlos Müller: "Estava ali para resolver"

postado em 25/04/2010 13:11

"Estava ali para resolver"


Müller, no escritório no centro do Rio: Ao lado das grvadorasRio de Janeiro ; Entre o fim de 1960 e o início de 1970, a Phonogram tinha Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, Raul Seixas e João Carlos Müller. Este último nunca tocou um instrumento, cantou ou fez um verso, mas era um dos nomes mais importantes na produção de um disco. Müller era o advogado da gravadora, o homem que tratava com os censores sobre a liberação das letras de Chico, Caetano, Gil, Vinicius, Raul e dos outros quase 60 artistas do time da Phonogram, que, como mostrava um anúncio publicitário da época, só não tinha o Roberto Carlos, ;mas ninguém é (era) perfeito;. Müller atuava em favor da gravadora na Superintendência da PF no Rio e na sede, em Brasília.

Como era a relação do advogado de uma gravadora multinacional com os censores?
Eu não estava preocupado em buscar porquês. Eu estava ali entre os censores para resolver problemas objetivos. A minha ação era viabilizar a atividade da indústria fonográfica.

Não interessava ao senhor o porquê da censura?

O meu interesse era o de liberar as músicas. Estava trabalhando para o bem.

Existia negociação com os censores ou com os artistas para liberar as letras?
O que acontecia algumas vezes é que eu aconselhava. O compositor vinha com seis músicas. Aí eu dizia: ;Faz uma bem violenta;. Aí chegava na censura, o cara vetava a mais violenta primeiro e já se preparava para vetar a próxima. E aí eu dizia: ;Porra, já vetou uma, vai vetar outra?;. Isso são truques de negociação, não tem nada a ver com ideologia.

Os censores eram burros?
Raramente. Os primeiros, ainda na década de 1960, vieram da Polícia Especial, do tempo do Getulio (Vargas). Depois, a partir da década de 1970, os caras já tinham nível superior, eram bem mais preparados. Agora, no meio deles, tinha o cara que era de direita. Mas esse não era o comum. O comum era o cara preocupado em não perder o emprego.

Mas havia um diálogo de qualquer forma.
Alguns surreais. Como, por exemplo, no dia em que eu estava em Brasília, no Máscara Negra (o edifício-sede da PF), para tentar a liberação da Ópera do malandro e disse para o diretor da censura. ;Porra, doutor Rogério (Nunes), o senhor já cortou três filhos da puta e um puta que o pariu nesta página e vai cortar mais um?; Aí eu olhei para a cara dele e ele olhou para a minha e começamos a rir.

Algum artista, depois de ter uma letra censurada,pediu para falar com os censores?
Alguns pediam, sim.

E como funcionavam esses encontros?
É claro que os artistas não tinham o menor prazer de ir até o censor. Mas às vezes era o desespero. Ivan Lins e Victor Martins chegaram a ter 50 obras censuradas. Não era brincadeira. Imagine o que é para um compositor ter 50 músicas censuradas.

Qual foi a música que deu mais trabalho?
A música Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque) virou um ponto de honra. Pedi a liberação várias vezes. E o Zé Vieira (José Vieira Madeira, chefe da censura entre 1979 e 1981) disse para não pedir mais porque aquilo estava ficando chato, estava sendo obrigado a vetar o tempo todo. Aí ele chegou para mim e disse. ;Quando puder, eu aviso.; Um dia ele avisou que eu podia pedir. Pedi e ele liberou. (LC)


Estratégia de gravadora

Ao lembrar episódios onde atuou para liberar letras da MPB, João Carlos Müller, advogado da Phonogram, revelou ao Correio estratégias usadas na época, como a de gravar um disco com letra do general João Baptista Figueiredo para agradar ao então chefe da Casa Militar do governo Médici. Segundo o relato de Müller, um diretor da Philips, dona da Phonogram, conheceu Figueiredo durante almoço na casa do pai do empresário, um militar. O general então mostrou a fita cassete da banda do III Exército ; responsável pela Região Sul do país ; com a letra musicada, e o diretor da Philips prometeu gravar a marcha. O advogado foi entregar o presente ao general em Brasília e, no mesmo dia, conseguiu audiência e liberou Minha história, uma versão de Chico Buarque para uma música italiana chamada Ges; bambino.

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