Segundo o movimento, os recursos da linha de crédito destinada aos assentados do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) não atendem à demanda de instalação dos assentamentos, compra de equipamentos, correção do solo de baixa fertilidade, tratamento da água e irrigação.
;O Pronaf, da forma que está desenhado, atende a situações em que já há uma estruturação dessas famílias e uma condição melhor da realidade ambiental e técnica daquela área. Por isso é necessário pensar um crédito específico dos assentados da reforma agrária;, afirma Nívea Regina da Silva, da coordenação estadual do MST do Rio de Janeiro.
Na opinião da dirigente, os assentamentos recebidos pelos trabalhadores têm grandes passivos ambientais causados pelo mau uso do solo, pela prática de monocultura de antigos latifúndios e pela má preservação dos recursos naturais. ;Os assentamentos da reforma agrária precisam ser olhados de forma diferente da agricultura familiar, pois precisam ser estruturados;, assinala Nívea Regina.
Na avaliação do MST, o Pronaf atende a quem já está produzindo, pode tomar crédito e honrar o pagamento. Álvaro Santim, da coordenação do MST em Santa Catarina, afirma que em seu estado e também na região do Pontal do Paranapanema (SP), a inadimplência dos assentados que pegaram crédito do Pronaf nos últimos anos é de 65%.
Para o especialista em economia rural e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lauro Mattei, a inadimplência pode ser ainda maior. Ele estima que no Nordeste a inadimplência pode afligir oito em cada dez assentados. Mattei vai elaborar este ano para o Incra um estudo específico sobre a situação dos assentamentos e dos contratos de empréstimo, que desde 2004 perfazem cerca de R$ 1 bilhão (do Tesouro Nacional e dos fundos constitucionais regionais - Centro-Oeste, Nordeste e Norte).
A inadimplência no pagamento impede os assentados de tomar novas parcelas e empréstimos do Pronaf e cria um registro negativo no CPF do tomador. Por causa disso, o MST espera que o governo proponha uma nova oferta de recurso e não faça repasses por meio da rede bancária (Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia).
Para o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Carvalho Rosa, alguns assentados apresentam dificuldades em lidar com bancos. ;No ambiente rural, as relações são muito concretas e muito palpáveis: pequenas mercadorias que se trocam e que se vendem, que tem equivalência visível. O banco é a face mais complexa de um sistema de administração moderno que é pouco visível. Pelo contrário, tudo se torna uma fórmula, um pequeno segredo. Esse segredo é mais difícil para desvendar para quem não foi à escola;, explica.
O Incra já disponibiliza nove linhas de financiamento, por meio de convênio, para os assentamentos. Os repasses são feitos sem intermediação bancária.
O instituto não quis comentar a demanda do movimento e espera receber esta semana a pauta de reivindicações da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agriculturas (Contag) e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf).
A legislação (Lei 4.829/65 e Decreto 5.380/66) obriga que o crédito rural atenda projetos produtivos técnica e economicamente viáveis. É possível custear benfeitorias, compra de insumos e máquinas, mas desde que haja resultado produtivo imediato desses investimentos com retorno financeiro para pagar a dívida. O Pronaf contempla mais de um tipo de empréstimo a assentados (investimento, microcrédito, Pronaf Mulher, Pronaf Jovem e Pronaf Semiárido), todos com juros abaixo do mercado e descontos pelo pagamento em dia.