Brasil

A batina trocada pela vida a dois

Estima-se em 7 mil o número de padres "desgarrados" no Brasil. Eles abandonam o sacerdócio para se casar ou viver em união estável. Muitas vezes, enfrentam preconceitos

Rodrigo Couto
postado em 17/05/2010 08:15

A falta de sacerdotes no interior e nas grandes cidades do país pode estar sendo potencializada pelo fato de que muitos têm abandonado a batina para se casar. Apesar de a Igreja Católica não divulgar oficialmente estatísticas sobre presbíteros que optaram pelo matrimônio, o Movimento Nacional das Famílias dos Padres Casados estima que existam pelo menos 7 mil pessoas nessa condição ou vivendo em união estável no Brasil. Pesquisa multinacional do Vaticano revelou que, de 1964 a 2004, 69 mil pessoas largaram as obrigações religiosas para viver uma vida a dois. Depois de se desvincularem da doutrina, alguns são vítimas de preconceito e têm dificuldade para conseguir um emprego. Outros, mesmo após constituir família e com uma carreira profissional estabilizada, pedem para voltar a realizar missas.

É o caso do padre Antonio Evangelista, 53 anos, hoje advogado e professor de filosofia em uma universidade de Brasília. Casado com a dentista Aila Ribeiro, 48 anos, desde 2000 ; mesmo ano em que recebeu a autorização do Vaticano para o matrimônio ; Evangelista acredita que poderia voltar a realizar missas para os fiéis. ;A Igreja deveria permitir que os padres casados rezassem para a comunidade. Hoje, depois do convívio familiar, me sinto mais preparado;, afirma. Mesmo sem o aval para a consagração do pão e do vinho, ele mantém a prática em sua casa. ;Em ocasiões especiais, como a Páscoa, celebro entre a família e os amigos;, salienta Evangelista, que coordena o movimento das famílias dos padres casados no DF. Estimativas da associação apontam que a capital federal deve abrigar aproximadamente 200 sacerdotes nessa situação.

Para a Igreja Católica, o sacramento da ordem, recebido pelos seminaristas quando se tornam padres, é eterno, como o batismo e o casamento. Por isso, não existe ex-padre. Apesar da pouca idade, os dois filhos de Evangelista nunca contestaram sua situação de sacerdote casado. Na opinião de Dimarco, 8 anos, a missa do seu pai é melhor que a das igrejas. ;É com menos gente e mais rápida. Assim tenho tempo para brincar;, diz o garoto. ;Acho bom porque não preciso sair de casa;, completa Theodoro, 6.

Evangelista e Aila se conheceram em 1996 na paróquia do Santíssimo Sacramento, na L2 Sul. Ordenado em 1989, o padre revolveu solicitar o desligamento de suas atividades na igreja em 1999, quando decidiu se casar com uma das integrantes da equipe de liturgia. ;Não me arrependo de nada, mesmo com as dificuldades enfrentadas tanto no seio familiar quanto entre os frequentadores da paróquia;, lembra. Segundo Aila, é uma incoerência da Igreja não permitir que padres casados realizem missas. ;É lamentável ter de optar;, ressalta.

Celibatofobia
Questionado sobre o fim do celibato entre os padres, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, é enfático. ;Seria um erro a Igreja do rito latino perder essa riqueza que temos construído ao longo dos séculos;, afirma. ;Acho impressionante como o celibato questiona. Parece que hoje há uma celibatofobia. Quem opta por uma vida consagrada na castidade é uma espécie de E.T. e pessoa desequilibrada, o que não é verdade. O celibato é uma fonte inesgotável de santificação;, opina.

Na opinião de dom Dimas, quem melhor expressou a relação entre casamento e celibato foi o papa João Paulo II no catecismo da Igreja: ;Celibato e matrimônio vêm do mesmo senhor e os dois exigem renúncia;, cita.

Nascido na pequena São Domingos de Goiás, o padre Tarcísio Bráulio, 30 anos, não se arrepende de ter largado a função que exercia em uma igreja de Planaltina (GO) para viver um amor avassalador com a então secretária paroquial Valdenice Ribeiro, 25. ;Me ordenei sem vocação. Não tenho vontade de voltar a celebrar missas;, reconhece. Preceituado em 3 de julho de 2004, Bráulio pediu o desligamento ; ainda não enviado ao Vaticano ; em 15 de fevereiro de 2009. ;Estava vivendo uma vida dupla, por isso pedi o afastamento;, relata, ao confirmar que chegou a manter relações sexuais com Valdenice quando ainda celebrava missas. ;Errei. Pedi perdão ao bispo e optei por sair;, comentou.

Pai do pequeno Tiago, com um mês de vida, Tarcísio vive ao lado de Valdenice, que já é mãe de outras duas crianças. ;Ela já estava separada quando decidimos ficar juntos;, adianta. Funcionário público desde dezembro, o padre diz que foi vítima de preconceito e teve dificuldade para obter emprego. ;Fomos rejeitados por parte da comunidade e só consegui trabalhar porque um catequista de Planaltina me indicou para uma vaga;, observa. Em sua opinião, Valdenice foi quem mais sofreu. ;Nesse caso, a mulher é considerada culpada. Quando saíamos às ruas as pessoas apontavam.; Defensor do celibato opcional, Tarcísio não se vê novamente na função de padre. ;Fui muito feliz, mas faltava algo para me completar;, conta.

Abstenção sexual
Para a Igreja Católica, o conceito vai além da proibição do casamento e de uma esposa. É a abstenção de relações sexuais para os que alcançaram o grau presbiteral (padre) ou episcopal (bispo). No Brasil e nos países que adotam o rito latino, o celibato não é exigido no diaconal (diáconos), primeiro grau do sacramento da ordem.

Seguido pela maioria
A Igreja Católica brasileira segue, predominantemente, o rito latino. Quase 98% dos fiéis de todo o planeta seguem essa corrente. Ao contrário do rito latino, o oriental permite o celibato voluntário entre os padres.

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