Acabou o estoque de medicamentos sintéticos Fator 8 para o atendimento de pacientes portadores de hemofilia no Hospital de Apoio de Brasília. Na segunda-feira, o Correio noticiou a crise no abastecimento desse tipo de remédio no país. A Secretaria de Saúde do Distrito Federal, entretanto, prepara a importação emergencial dos medicamentos, até porque o seu fornecimento é determinado por decisão judicial. Mas os pacientes já estão prevendo um novo período de desabastecimento. O Ministério da Saúde afirma que não tem a obrigação de fornecer os medicamentos sintéticos (recombinantes) porque os plasmáticos (feitos a partir do sangue humano) teriam a mesma eficácia, o que é contestado pelos pacientes. Eles afirmam que apenas os sintéticos eliminam totalmente a possibilidade de contaminação do sangue.
Na última quarta-feira, Sandra dos Santos foi até o Hospital de Apoio buscar o Fator 8 (recombinante) para o filho de 9 anos. ;Eu tenho apenas uma dose em casa. Já fiquei duas vezes por uma semana sem o medicamento. É uma agonia. Se acontece algum sangramento, não há o que fazer;, comentou. Na semana anterior, ela havia recebido a mesma informação do hospital: o medicamento estava em falta. Entraram em ação os líderes da ONG Ajude-C, que conseguiu na Justiça o fornecimento do fator recombinante. A coordenadora do Grupo de Paz da entidade, Roberta de Lucena, pediu esclarecimentos ao hospital.
A coordenadora do Centro de Tratamento de Coagulopatias do Hospital de Apoio, Jussara Almeida, afirmou ao Correio que os medicamentos sintéticos seriam realmente ;a única garantia; de que não haverá contaminação. ;Não há mecanismos para identificar novos tipos de vetores. E a nossa obrigação como médicos é fornecer o melhor medicamento existente;, diz. Ela assegurou que o pedido de compra dos medicamentos foi feito em março, mas ainda não há uma decisão do setor de compras.
A Secretaria de Saúde do DF afirmou que a compra dos medicamentos ;depende da finalização do parecer técnico; do setor de Hemoterapia do Hospital de Apoio. Esse parecer deve conter o número de pacientes a ser atendidos, o número de doses necessárias e o tipo de medicamento. ;A Central de Compras disse que, fechado esse parecer técnico, será aberto o processo de importação. Mas o processo de importação tem todos os trâmites de alfândega, de burocracia. Não estipularam prazo, até porque tem que ver qual empresa vai fornecer. Eles vão fazer uma tomada de preços;, acrescentou a assessoria de imprensa da secretaria. O órgão também informou que o fator plasmático não está em falta e que apenas o Distrito Federal fornece fator recombinante no país.
Primária
A Ajude-C também batalha pela implementação de um tratamento preventivo para hemofílicos, chamado profilaxia primária. Esse método prevê a aplicação do medicamento de forma regular, e não apenas quando há o sangramento. Projeto de lei em tramitação no Senado, de autoria do senador Marconi Perillo (PSDB-GO), prevê a adoção da profilaxia primária, ou seja, a aplicação regular dos fatores de coagulação aos hemofílicos, independentemente da manifestação de sinais ou sintomas de hemorragia. O senador sustenta que essa prática resultaria em economia a longo prazo, embora consuma um volume maior de medicamentos.
Estudos técnicos comparativos dos tratamentos de profilaxia primária e de demanda feitos pelo Núcleo de Coagulopatias do Distrito Federal apontou justamente essa economia. O valor médio por paciente/ano na profilaxia primária ficou em R$ 80 mil, enquanto no atendimento por demanda ficou em R$ 230 mil ; cerca de 188% a mais. Foi analisado o tratamento de 64 pacientes hemofílicos ao longo de cinco anos.
O Ministério da Saúde afirma que não há falta de hemoderivados no país. Acrescenta que a dose domiciliar plena é prioridade neste ano. A pasta realiza estudo de viabilidade econômica e já constatou que a dose domiciliar causa impacto 20% maior sobre o que é gasto hoje com os medicamentos hemoderivados. Além disso, informa que o número de unidades de Fator 8 adquiridas passará de 150 milhões, em 2009, para 475 milhões em 2010, o equivalente a um aumento de 216%.
PARA SABER MAIS
Doença é transmitida pelos pais
Classificada nos tipos A, B e C, a hemofilia é o nome de doenças genéticas hereditárias que impedem o corpo de controlar sangramentos. Quando alguma parte do nosso corpo começa a sangrar, as proteínas (elementos responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento de todos os tecidos do corpo) entram em ação para estancar o sangramento. Esse processo é chamado de coagulação. Os portadores de hemofilia não possuem essas proteínas e, por isso, sangram mais do que o normal.
Hemofílicos tipo A são deficientes do Fator 8. Já os com hemofilia do tipo B apresentam ausência do Fator 9. Indivíduos com o tipo C têm falta do fator 11. Os sangramentos são semelhantes nos três tipos, porém a gravidade depende da quantidade de fator presente no plasma (líquido que representa 55% do volume total do sangue). A hemofilia é uma doença genética, ou seja, é transmitida dos pais para os filhos no momento em que a criança é gerada.