postado em 25/05/2010 08:26
Pode parecer subjetivo demais, mas uma investigação completa sobre os valores nutridos pelos brasileiros vai nortear a definição de novas políticas de desenvolvimento no país. Uma pesquisa inédita do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) ; a segunda etapa do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010 ; descobriu que o bem-estar dos próximos e da humanidade, aliado à estabilidade social, é o principal valor dos brasileiros. E a estabilidade foi o valor que ganhou terreno nas cinco regiões e que mais impressionou os pesquisadores: no Brasil de hoje, uma condição estável tem muito mais valor do que no Brasil de ontem e na maioria dos países da Europa.A busca pela estabilidade tem duas raízes, razões que aparecem no estudo do Pnud divulgado ontem ou que precisam ser melhor investigadas, conforme os pesquisadores responsáveis pelo levantamento. Uma delas é a estabilidade econômica. O brasileiro convive com um cenário econômico de poucas oscilações, com a ampliação da renda e com o crescimento da economia, o que pode ter transformado a estabilidade num valor intrínseco. A segunda tem um viés negativo e está mais evidente na pesquisa do Pnud. Mais de 90% das pessoas entrevistadas consideram que a violência está crescendo no país, uma percepção que não está associada somente à criminalidade. A brutalidade no trânsito, na escola dos filhos, no bairro e dentro da família também motiva a busca por estabilidade social.
;A grande novidade para nós é o aumento da estabilidade social como valor dos brasileiros. O bem-estar do próximo sempre aparece nos estudos;, explica o economista do Pnud Flávio Comim, que divulgou ontem os dados do relatório. A percepção da violência ; e a interferência nos valores pessoais ; também aumentou nos últimos anos. Sondagens como essa do Pnud costumam apontar, em média, que 70% dos brasileiros são reféns do medo da violência. Já são 90%, conforme a pesquisa. Também é significativamente maior a quantidade de pessoas que consideram a família decisiva para a formação escolar dos filhos: essa é a percepção de 77,2% dos pesquisados. A escola vem perdendo a confiança dos brasileiros, e a família assume cada vez mais importância na definição de valores.
O chamado Perfil dos Valores dos Brasileiros (PVB) corresponde ao segundo capítulo do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010, que vai terminar com a definição dos novos Índices de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDH-M), um importante indicador de qualidade de vida e distribuição de renda no país. O Brasil tem um IDH-M defasado, o que reflete a falta de dados e as dificuldades de se analisar a evolução do desenvolvimento. O último IDH-M é de 2000. Com esse novo relatório do Pnud, o desenvolvimento passa a ser visto também pela ótica dos valores dos brasileiros. Saber o que pensamos e como queremos agir se tornou tão importante quanto detalhar os indicadores de educação numa cidade.
Na definição dos pesquisadores, valor é a crença que influencia as pequenas decisões e as grandes escolhas. É assim com Ludiana Mendes, de 20 anos. Ela sabe que está ;parada;, como diz, e que precisa voltar a estudar. Vai fazer um curso técnico de enfermagem assim que tiver tempo e dinheiro. São os jovens, como Ludiana, os mais abertos a mudanças, como constatou a pesquisa do Pnud. Eles querem autopromoção e estão pouco ligados em conservadorismo e bem-estar do próximo. ;Eu preciso me movimentar. Por isso vou fazer o curso;, diz a jovem.
A importância que cada um dá ao trabalho também interfere na definição dos valores. Como o grupo dos jovens, separado na pesquisa, o grupo dos que trabalham é um dos mais abertos a mudanças. O jornalista Ricardo Borges, 40, chegou de São Luís (MA) há 15 anos. Trabalhou em sindicatos e hoje atua na comunicação interna da Infraero. ;Por causa dos meus filhos, sou mais pragmático, mais pé no chão.;
Ter filhos é o freio na vontade de mudar, é o pulo para as atitudes mais conservadoras e fator de distanciamento da autopromoção, como constatou o levantamento do Pnud. A dúvida que a funcionária pública Maria Joaquina Andrade, 60 anos, tem hoje é ficar com as filhas e o neto, no Rio de Janeiro, ou manter o emprego e a estabilidade conquistados em Brasília. Quando foi mãe pela primeira vez, aos 24 anos, Maria Joaquina parou de trabalhar e dedicou-se integralmente à filha. ;Meu segundo neto está chegando. Penso em me mudar para o Rio, mas ter estabilidade, hoje, é muito difícil.;
Em cada região do país, uma sentença
Cada circunstância de vida define os valores mais importantes para os brasileiros. Os pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) cruzaram informações e chegaram a perfis bem característicos. As mulheres e os mais velhos são os mais solidários. Quem tem maior renda familiar e menos idade cultua a autopromoção como valor. As mães são mais conservadoras. E as pessoas com formação superior, filhas de mães formadas nas universidades, estão mais abertas a mudanças.
Também há diferenças sensíveis entre os moradores das cinco regiões. O nordestino é o mais determinado, conformado e o que mais busca segurança. Ao mesmo tempo, é o brasileiro menos interessado pelo bem-estar alheio e por realização pessoal. Os brasileiros mais ligados em prazer moram nas regiões Norte e Centro-Oeste. Os mais solidários estão no Sudeste, e os mais estimulados, no Sul.
O Pnud buscou informações sobre a percepção dos brasileiros em relação à escola. Descobriu que a instituição está em descrédito. Se antes 40% das pessoas atribuíam à escola a principal responsabilidade pela educação, agora essa proporção é pouco superior a 20%. A principal responsabilidade, conforme os valores dos brasileiros, é da família. E aí que reside uma contradição, relatada pelo economista do Pnud Flávio Comim. Questionados sobre violência nas escolas, os pais atribuíram a culpa à falta de engajamento das escolas. Os professores culparam a falta de engajamento dos pais. ;Os próprios alunos consideram que a escola não tem importância para eles.;
A violência na escola aparece como uma das mais frequentes no cotidiano dos brasileiros. Tem peso semelhante à brutalidade no trânsito e no bairro onde vive a família. ;Existe uma ampla gama de fenômenos associados a essa problemática: bullying, indisciplina escolar, adoecimento dos professores e diminuição da autoestima dos alunos;, conclui o relatório do Pnud. (VS)