Brasil

STF se prepara para julgar aborto de bebês sem cerébro

Relator adiantou que manterá decisão favorável

Luiza Seixas
postado em 28/05/2010 08:29
Após a autorização do uso das células-tronco em pesquisas, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ainda este ano outro polêmico tema: o direito de a mulher escolher interromper a gravidez quando a anencefalia for diagnosticada. Em 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) entrou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF com o pedido, e o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, concedeu liminar favorável. Porém, em julho do mesmo ano, o plenário do STF, por acreditar que a decisão precisava ser tomada por todo o colegiado, cassou a decisão. Mello já confirmou que deverá manter sua decisão e informou que o ato não pode ser considerado aborto, sob o argumento de que, se não há cérebro, não se pode dizer que se estaria tirando a vida do bebê.

Para fornecer parâmetros para o julgamento da ação, o Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA) e a CNTS reuniram ontem, em Brasília, especialistas e autoridades para apresentarem aspectos científicos, médicos e jurídicos sobre a questão. Segundo a confederação, 65% dos fetos sem cérebro morrem ainda no útero. E, mesmo com esses dados, o Código Penal só permite o aborto quando não há forma de salvar a vida da gestante ou se a gravidez for resultado de estupro. Em outros casos, é preciso entrar na Justiça, caso contrário o ato pode ser punido com pena de um a três anos de cadeia para a mulher e de um a quatro anos para o médico.

Prazo
Todos os participantes do encontro, incluindo o Ministério da Saúde, se disseram favoráveis à ADPF. De acordo com o assessor especial do ministro José Gomes Temporão, Adson França, o sistema de saúde brasileiro tem todas as condições necessárias para realizar um pré-natal e diagnosticar precocemente possíveis problemas na gestação. ;Hoje, 96% das mulheres realizam pré-natal. Com isso, a gestante consegue ter um exame confiável e, caso diagnosticada a anencefalia, um período coerente para tomar a sua decisão, se aborta ou não. Não é possível falar em vida sem falar em direitos;, afirmou França.

Para o obstetra e representante do GEA, Thomaz Gollop, o STF precisa entender que obrigar uma mulher a manter uma gestação nessas condições é tortura. Ele explicou que a ação não vai obrigar o aborto, mas facilitar o procedimento. ;Hoje, quando a mãe decide antecipar ou interromper a gravidez de um anencéfalo, precisa recorrer à Justiça para obter a autorização. Sou a favor de que elas possam decidir de maneira autônoma. Além de ser uma notícia triste para os pais, a gravidez tem riscos para a saúde da mulher;, disse.

Os riscos foram destacados pela coordenadora da ONG Ipas, que promove os direitos reprodutivos das mulheres, Leila Adesse. Segundo Adesse, os problemas são tanto físicos quanto mentais. ;Entre eles, hemorragia e hipertensão. Além disso, imagina a cabeça de uma mulher que, de antemão, sabe que vai gerar um filho que vai nascer morto ou morrer instantes depois. É chocante;, disse Leila, que destacou ainda que, esperando a decisão da Justiça, as mulheres estendem o prazo da gravidez, o que aumenta ainda mais o risco. Além disso, o aborto após 20 semanas de gestação não é recomendado.

Infértil
A auxiliar de vendas Michele Gomes de Almeida, 29 anos, que passou pelo problema, afirma que até hoje chora ao lembrar da gravidez e que o sofrimento só não foi maior porque o diagnóstico aconteceu quando a decisão do ministro Marco Aurélio ainda valia. Ela decidiu interromper a gravidez quando o médico explicou que ela corria sérios riscos, como ficar infértil. ;É um sofrimento que eu não desejo a ninguém. E não vejo motivo para estender esse sentimento. Nós, mães, temos que ter o direito de decisão e não ficar nas mãos da Justiça. Ainda mais nesse caso, que a gente sabe que o bebê não vai viver;, disse.

O país tem hoje mais de 5 mil sentenças favoráveis a essas mulheres. Um número positivo segundo a coordenadora do grupo Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Jaqueline Pitanguy. Porém, ela, que fez parte do debate entre os juristas, defendeu que essa estatística não deve aumentar, e sim a lei que deveria terminar. ;A legislação obriga manter a gravidez até os 9 meses, mesmo sabendo que não está sendo gerada uma vida. Eu defendo o direito de escolha, que é liberada em vários países;, afirmou.

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