Não existe segredo que ele não seja capaz de desvendar e não existe identidade sem ele. O teste de DNA, que completa este ano um quarto de século, promoveu uma verdadeira revolução na sociedade. Pôs fim a uma sequência de gerações que desconheceu sua verdadeira origem. No Brasil, não existe estatística sobre quantas negativas de paternidade foram desmentidas, mas somente em Minas Gerais são 500 exames (1)por mês realizados gratuitamente pela Justiça. Para as mulheres, o ganho foi duplo. As ações de investigações de paternidade perderam o cunho moral, em que a conduta da mãe era analisada, e ganharam uma prova técnica, com uma mínima margem de erro. Depois dele, só não conhece sua identidade biológica quem não quer. Aos 25 anos, o DNA também teve a força de tornar iguais os mais poderosos líderes políticos, passando por artistas e jogadores de futebol, ao cidadão comum, quando submetidos ao teste.
Sua aplicação se estende ainda em outros terrenos importantes, como o auxílio no esclarecimento de crimes que chocaram a sociedade. Foi a aplicação do teste de DNA que ajudou, por exemplo, a Polícia Civil de Minas a pôr fim à ação do serial killer Marcos Trigueiro, autor confesso do assassinato e estupro de cinco mulheres na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em fevereiro, com a análise do sêmen colhido nos corpos das vítimas. Agora, o exame também está ajudando a desvendar a história da sangrenta ditadura da Argentina, que se estendeu de 1976 e 1983 e ninguém quis contar. Neste período, pelo menos 500 bebês, filhos de prisioneiros políticos, foram sequestrados e entregues para adoção. Hoje, vários deles estão sendo submetidos a exames para conhecer a verdadeira identidade. É o caso dos herdeiros do grupo jornalístico Clarín, Felipe e Marcela Noble Herrera.[SAIBAMAIS]
A história diz, entretanto, que ignorar o exame de DNA pode custar caro e deixar um rastro de profunda dor. Para entender, basta conversar por alguns minutos com o engenheiro P., de 63 anos. Na voz e no corpo estão as marcas da injustiça. Deprimido, ele se tornou cardíaco, desenvolveu diabetes, além de perder a alegria. Isso, desde que foi condenado a pagar, por 14 anos, pensão alimentícia para uma filha que não era sua. O exame de DNA descartou, por duas vezes, a paternidade de P., mas a Justiça considerou o depoimento de testemunhas, que confirmaram o vínculo entre a mãe e o engenheiro. No fim do ano passado, a sentença foi revista pelo Tribunal de Justiça, reconhecendo o que o teste já tinha dito mais de uma década antes: P. não era o pai da menina, que recebeu dois salários mínimos durante todo esse período.
;Me senti profundamente injustiçado. Tive que pagar, além da pensão, cerca de R$ 60 mil referentes a atrasados. Por isso, eram quatro salários mensais;, conta o engenheiro. Agora, ele diz que vai mover uma ação de indenização por dano moral e material contra o Estado. ;Os juízes são representantes do Estado e, portanto, meu objetivo não é receber o dinheiro, mas aplicar uma sanção educativa para que novos erros não ocorram;, diz o engenheiro. Sem filho, ele disse que se encantou com a possibilidade de ser pai e foi viver com uma mulher com quem mantinha uma relação extraconjugal. Na primeira briga, ela revelou a verdade: ;Você não é o pai da criança que trago comigo;. Antes do nascimento, eles se separaram, mas a mulher manteve a mentira, mesmo diante da prova técnica.
Identidade
A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), diz que não há como negar a contribuição do exame de DNA para a Justiça. ;O surgimento dele contribuiu para que muitas crianças pudessem ter desvendada a verdade biológica, no sentido do amparo e da segurança proporcionados não pela existência de um pai, mas sobretudo pela formação de efetivo vínculo de paternidade, com todas as implicações daí decorrentes;, afirma.
A ministra ressalta ainda que, nos dias de hoje, as relações entre o casal são mais passageiras e daí a importância da identidade biológica. ;Entendo que a volatilidade e a fluidez dos relacionamentos entre os seres humanos não devem contaminar as relações entre pais e filhos, cujos vínculos precisam ser perpetuados e solidificados. Em contraponto à instabilidade dos vínculos advindos de envolvimentos expressos e fugazes, os laços de filiação devem estar fortemente atados, para que a criança não sofra mutilações que lhe interrompam o crescimento saudável;, diz a ministra.
1 - A evolução
Os primeiros testes foram desenvolvidos em 1985 por Alex Jeffreys na Inglaterra com a técnica das ;impressões digitais de DNA;. Pouco tempo depois, em meados de 1988, os exames foram introduzidos na América Latina pelo geneticista Sérgio Pena. Em 1990, começaram a ser usados os testes pela técnica da PCR, também pioneiramente no Brasil. Esses testes necessitam de menos DNA e são tecnicamente mais simples, e por isso vieram mais tarde a substituir as ;impressões digitais de DNA; em testes de paternidade.