Jornal Correio Braziliense

Brasil

Execuções em Goiânia sob suspeita

Ministério Público pede a entrada da Polícia Federal para investigar a atuação de policiais civis e PMs em assassinatos na capital de Goiás e em cidades vizinhas

Goiânia ; As evidências da atuação de grupos de extermínio na Grande Goiânia e de acobertamento pelas polícias Civil e Militar dos casos investigados fizeram o Ministério Público (MP) de Goiás pedir formalmente a entrada da Polícia Federal nas investigações sobre bandos especializados em execuções, compostos por policiais civis e militares. O Grupo de Repressão ao Crime Organizado do MP goiano conduz uma apuração mantida em sigilo e, diante das dificuldades impostas pela própria polícia, a PF foi acionada há pouco mais de um mês, numa última tentativa de identificar e prender os responsáveis pelas sucessivas execuções na capital de Goiás.

A situação chegou ao limite, o que obrigou os promotores do MP goiano a buscar também o apoio do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), ligada à Presidência da República. Pelo menos 24 pessoas ; a maioria em Goiânia ; estão ameaçadas de morte por policiais que integram grupos de extermínio. Elas conseguiram ser incluídas nos dois programas de proteção a testemunhas em funcionamento no estado. Um é o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita)(1), mantido com recursos do governo federal. Mais da metade das 42 pessoas atendidas pelo Provita está ameaçada por grupos de extermínio. O outro programa é o Serviço Estadual de Proteção ao Depoente Especial (SEPDE)(2), do governo de Goiás. Dos sete réus colaboradores, como são chamados os protegidos pelo Estado, três testemunharam ações de policiais a serviço de grupos especializados em execuções e passaram a ser vítimas em potencial.

As investigações do MP e os relatos dessas testemunhas apontam para a existência de um grande grupo de extermínio formado por policiais na Grande Goiânia, com atuação na capital e em mais quatro regiões do estado. Eles se consideram ;justiceiros; e perseguem principalmente pessoas que já tiveram alguma passagem pela polícia e que respondem a processos na Justiça, além de usuários contumazes de drogas e até mesmo informantes da polícia, que passam da condição de colaboradores para a situação de alvos dos grupos de extermínio.

;Há um número significativo de policiais perseguindo vítimas. Eles acreditam que estão fazendo justiça e, nos bastidores, muita gente apoia;, afirma o vice-presidente do conselho deliberativo do Provita em Goiás, Oto Glória Filemon, que também é assessor de Direitos Humanos da Secretaria de Segurança Pública de Goiás. As investigações mostram que os grupos de extermínio estão por trás também de ameaças a presos do regime semiaberto, mas esse deixou de ser o foco principal dos policiais criminosos. Ainda assim, são esses detentos os que mais entendem a lógica de funcionamento dos grupos de ;justiceiros;. Em alguns casos, policiais recebem dinheiro para matar, como relatam testemunhas protegidas pelo Estado.

A reportagem do Correio apurou que pelo menos cinco detentos do regime semiaberto em Goiânia alegam estar na lista da morte e, diante da veracidade do que manifestaram os presos, dois já foram incluídos no programa de proteção a testemunhas. ;Os policiais desse grupo de extermínio disseram aos presos que, enquanto não mexerem com nada, viverão. Se houver envolvimento com o crime, vão morrer;, diz uma fonte, que prefere o anonimato por razões de segurança. ;Esses policiais se consideram justiceiros, acham que a Justiça não faz valer a pena aplicada.; A recorrência de assassinatos de detentos do regime semiaberto, sem esclarecimento pela Polícia Civil, amplia o temor de presos que têm direito a sair do presídio durante o dia para trabalhar.

;Fio do novelo;
Até fevereiro deste ano, os promotores que conduzem a investigação sigilosa sobre a atuação de grupos de extermínio em Goiânia esperavam o surgimento do ;fio do novelo;, de algum deslize dos policiais envolvidos nas execuções que permitisse o avanço das investigações. Em março, a prisão de um grupo responsável por execuções na capital goiana e em Mato Grosso fez avançar a investigação. O empecilho passou a ser os obstáculos impostos pelas próprios policiais, o que obrigou o pedido de ajuda à PF.

Um exemplo claro dessa situação é um pedido de explicação formulado pelo MP aos delegados da Grande Goiânia responsáveis por investigar homicídios. Uma relação de nomes de vítimas mortas de maneira semelhante ; disparos na cabeça, quase à queima-roupa, efetuados por uma pessoa acompanhada de outra numa motocicleta, ambas com capacetes ; foi entregue aos delegados, para que informassem se alguns daqueles casos tinham indícios de atuação de grupos de extermínio. Todas as informações foram fornecidas, sobre o estágio das investigações e a identificação das autorias dos assassinatos, mas nada foi mencionado sobre o ponto principal cobrado pelos promotores.


1 - Convênio
Formado por convênios entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Direitos Humanos. Cada programa do sistema tem capacidade para atender, em média, 30 pessoas, entre testemunhas, vítimas e familiares ou dependentes. Quando a necessidade de proteção é registrada em estados que não fazem parte do sistema, os casos são atendidos pela esfera federal.


2 - Integridade
Criado em 2010, o serviço tem como objetivos preservar a integridade física e a prestação de assistência às vítimas de ações violentas e aos colaboradores da Justiça. Entre os benefícios estão o sigilo das atividades que envolvam a pessoa protegida, medidas de proteção adequadas à condição individual do depoente e a celeridade dos processos judiciais em que figurem pessoas incluídas no programa.

Confrontos com militares

Dos quase 400 homicídios registrados em Goiânia no ano passado, 30 (7,5%) ocorreram em supostos confrontos com a PM, como concluíram as investigações da Polícia Civil. A grande maioria dos assassinatos não resulta em inquéritos remetidos ao Poder Judiciário.

Em 2009, somente 62 inquéritos ; 15,5% do total de casos investigados ; passaram a ser apreciados também por um juiz, o que significa que a Polícia Civil conseguiu chegar a autores dos assassinatos. As informações estão nos relatórios repassados por delegados ao Ministério Público de Goiás, que pediu detalhes sobre indícios de participação de grupos de extermínio nas mortes.

;As autoridades têm conhecimento sobre a atuação de grupos de extermínio em Goiás;, afirma Juliana Gomes Miranda, coordenadora-geral do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). Segundo Juliana, o conselho recebe denúncias de atuação desses grupos na Grande Goiânia.

O coordenador do Grupo de Repressão ao Crime Organizado do MP em Goiás, promotor José Carlos Miranda Nery Júnior, confirma ter pedido a ;estrutura; da PF na investigação dos grupos de extermínio em atuação na capital goiana. Mas nega que a PF já tenha entrado na apuração. ;Ainda não houve uma resposta oficial;, diz o promotor. É a mesma posição do procurador-geral de Justiça em Goiás, Eduardo Abdon Moura. ;Num período de investigação como esse, qualquer divulgação atrapalha os resultados.; O Correio apurou que a PF teria se antecipado aos pedidos do MP goiano e entrado nas investigações. (VS)