postado em 13/06/2010 07:30
A compra de terras para plantio de eucaliptos pela multinacional Stora Enso, no Rio Grande do Sul, é uma demonstração de como as portas do país estão abertas às empresas estrangeiras, embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha afirmado, há uma semana, que está preocupado com essa ocupação. Ele disse que é preciso evitar ;abuso; nessas aquisições, ;sobretudo da nossa terra mais produtiva;. A empresa sueco-finlandesa adquiriu cerca de 46 mil hectares na fronteira oeste gaúcha. Fez isso em nome de uma empresa ;brasileira; criada por dois de seus executivos, há três anos. Somente agora está passando as terras para o seu nome, com o consentimento do governo brasileiro.O vice-presidente da Stora Enso para a América Latina, Otávio Pontes, afirmou ao Correio que a transferência das propriedades está demorando porque o processo é ;bastante burocrático;. No cadastro obtido pela reportagem, as aquisições da multinacional ainda não estão registradas. Pontes informa que elas se concentram nos municípios de Rosário, Manoel Viana, São Sepé e São Gabriel. A ideia inicial da empresa era comprar cerca de 100 mil hectares.
A Stora Enso vai construir uma nova fábrica no Rio Grande do Sul. Em 2005, começou a comprar terras por intermédio da Derflin Agropecuária, empresa brasileira com 99,99% do seu capital em nome da Stora Enso Uruguay, uma subsidiária controlada pela Stora Enso Amsterdam. A multinacional logo descobriu que não poderia comprar terras na faixa de fronteira sem prévia autorização do Conselho de Defesa Nacional (CDN). Criou, então, a ;brasileira; Azenglever Agropecuária, em nome de dois executivos no Rio Grande do Sul, João Borges (diretor Florestal) e Otávio Pontes.
Empréstimo
Como os dois não tinham recursos para fazer as aquisições, a Stora Enso emprestou algumas centenas de milhões de reais para a compra das terras. Foi um contrato de benefício mútuo. A garantia eram as próprias terras. A fazenda Tarumã, em Rosário do Sul, com cerca de 2 mil hectares, foi a maior propriedade adquirida na região. Segundo registro no Ofício de Registro de Imóveis da cidade, foi comprada pela Azenglever por R$ 6,3 milhões.
A Procuradoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) emitiu um parecer contrário às aquisições sem autorização do CDN. O caso foi investigado pela Polícia Federal, que apontou irregularidades, mas a Justiça Federal no Rio Grande do Sul arquivou o inquérito, por entender que não houve crime.
Em agosto de 2009, passados três anos das aquisições, foi publicado no Diário Oficial da União um ato do secretário-executivo do CDN, Jorge Armando Félix, concedendo ;assentimento prévio; à Stora Enso para comprar 99,98% das quotas sociais da Azenlever Agropecuária, em Rosário do Sul (RS). Na mesma página, o secretário-executivo deu ;assentimento; à multinacional para adquirir um imóvel rural de 170 hectares, denominado Fazenda Cerro Jacaquá, em São Francisco de Assis. Ao comprar a Azenglever, a Stora Enso fica com as terras da empresa de seus funcionários.
entrevista - otávio pontes
A lei do jeitinho
O vice-presidente da Stora Enso para a América Latina, Otávio Pontes, relatou ao Correio o processo de aquisição de terras na faixa de fronteira do Rio Grande do Sul, com a utilização de uma empresa ;brasileira; criada por ele e por outro executivo da multinacional. A estratégia foi usada para que as propriedades fossem registradas provisoriamente em cartório sem a prévia autorização do Conselho de Defesa Nacional (CDN). Agora, o conselho deu permissão para a Stora Enso comprar a empresa ;brasileira;.
No Rio Grande do Sul, a Stora Enso comprou terra em vários municípios da fronteira. Por que essas aquisições não estão registradas no cadastro do Incra?
Lá são terras que foram compradas em zona de fronteira. E, para isso, precisa de uma autorização do Conselho de Defesa Nacional. Essa autorização já foi dada. Agora, o processo de registro de terras ainda não aconteceu porque essas coisas são lentas. O processo ainda não acabou.
Quantos hectares serão adquiridos ao todo?
Serão 46 mil hectares.
A Azenglever foi criada para comprar terras sem a autorização do CDN, não é isso?
Ela foi criada pelo seguinte: como o Incra demorou muito para encaminhar esse processo para o CDN, ficaram terras sem registro em cartório. Então, ficaram terras sem dono, o que não é conveniente. Você fica sem autoridade. Então, foi feita a Azenglever para que você pudesse registrar a terra até que o processo fosse aprovado pelo CDN.
A Azenglever era uma subsidiária da empresa (Stora Enso)?
Não. Pelas leis brasileiras, para você poder registrar terras em zona de fronteira sem a autorização prévia do CDN, você precisa ter sócio brasileiro com capital brasileiro. Então, essa foi a forma de poder registrar. Esse processo foi transparente, nunca se escondeu isso. Ministério Público, Incra, ninguém pode dizer que não sabia desse processo. Agora a decisão aconteceu e estamos partindo para o registro das terras em nome da Stora Enso.
Com que capital a Azenglever comprou essas terras? Ela tinha esse capital?
Ela não tinha capital; mas isso também foi aberto. A Stora Enso fez um empréstimo para essa empresa. Ela comprou e deu as terras em garantia. Um procurador pediu para investigar, mas não houve nenhum problema. O processo foi absolutamente legal.
Essa autorização prévia dada pelo conselho não deveria ter acontecido antes das compras?
Não pode. Você tem que comprar para depois; Você não tem autorização prévia para as compras. Se houvesse uma ação do Incra rápida, ok, você compra e, dois ou três meses depois, pede autorização, faz o registro e acabou-se. Agora, quando o processo leva dois ou três anos;
A autorização prévia acabou acontecendo anos depois de compra?
Ah! Foi. (LV)