Brasil

Em oito anos, governo gastou mais de R$ 10 bilhões com medidas provisórias

Especialistas criticam falta de investimento em prevenção

postado em 23/06/2010 07:00
Edson Luiz,
Igor Silveira e
Larissa Leite


Na principal praça do município de Palmares (PE), as águas abriram uma cratera capaz de sugar uma carretaTodos os anos, o governo federal se vê em meio a uma agenda quase previsível de desastres naturais. Geralmente são tempestades, alagamentos e deslizamentos de terra de dezembro a março nas regiões Sul e Sudeste. Na mesma proporção, de abril a agosto, esses fenômenos tendem a atingir Norte e Nordeste. Mesmo assim, os gastos com medidas emergenciais seguem cada vez maiores. Do início da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, até o momento, foram gastos R$ 10,95 bilhões, por meio de medidas provisórias destinadas às chamadas ;ações imprevisíveis;, que abrangem os desastres naturais, ajudas a países internacionais e epidemias, por exemplo.

O levantamento realizado pelo PSDB aponta que, só este ano, foram gastos R$ 3,3 bilhões. Coordenador do Centro de Apoio Científico em Desastres (Cenacid), ligado à Universidade Federal do Paraná (UFPR), o professor Renato Lima diz que o governo federal poderia diminuir drasticamente esses valores se os investimentos fossem feitos, adequadamente, em infraestrutura, para prevenir tragédias causadas pelo mau tempo, e em preparação para que profissionais possam ser mais eficientes em momentos críticos.

Avião com ajuda humanitária chega a Pernambuco: em vez de prevenção, se gasta mais com auxílio pós-tragédia;Não é possível evitar os desastres naturais, mas essas tragédias vêm se repetindo ano após ano e o governo recebe essas situações como se fossem novidades. Cada real gasto antes economizaria 100 vezes mais depois. O trabalho de prevenção e preparação tem de ser um esforço permanente e não algo esporádico;, ressaltou Lima.

Nóris Costa Diniz, professora de risco geológico do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), explica que um dos problemas na região atingida pelas chuvas no Nordeste é que as cidades ocupam margens de rios. Isso ficou constatado pela Defesa Civil de Pernambuco e de Alagoas, que registraram os casos mais graves das enchentes que atingiram os dois estados. Nóris explica que não há monitoramento dos leitos dos rios, o que impossibilita a previsão de alagamentos.

A especialista ressalta que a falta de previsão também surpreende as populações que residem às margens dos rios. ;Da forma como as chuvas vieram, pode ocasionar uma tromba d;água;, explica Nóris. ;Tudo é uma questão de planejamento urbano;, avalia a professora da UnB.

Outra crítica comum feita ao governo federal sobre momentos de desastres naturais foi lembrada pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Para ele, há muitas dificuldades para que as verbas cheguem aos destinos, especialmente para a reconstrução das áreas atingidas. ;Basta lembrar o que aconteceu em Santa Catarina, em 2008, e no Rio de Janeiro, em abril de 2010. Eu vejo muita generosidade por parte do governo para causas internacionais e muito pouca boa vontade com os brasileiros;, disse.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, informou, ontem, que enviará ao Congresso, em 45 dias, um projeto para facilitar as transferências de verbas nesses casos de emergência. A reportagem do Correio procurou a Secretaria de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional, mas não obteve retorno.

O número
R$ 3,3 bilhões
Só em 2010, o governo já gastou mais de R$ 3 bi destinados a ações imprevisíveis, por meio de Medidas Provisórias







Sai a conta: R$ 100 mi
A primeira reunião do Gabinete de Crise, instalado para socorrer as vítimas das chuvas no Nordeste, especialmente em Alagoas e Pernambuco, terminou com o anúncio da liberação de R$ 100 milhões para socorrer as vítimas dos dois estados. Desse montante, R$ 50 milhões já estão disponíveis e a outra metade será enviada aos governos estaduais assim que eles apresentarem à União documentos pendentes. O valor é irrisório, de acordo com declarações dos próprios governadores ; o alagoano Teotonio Vilela Filho e o pernambucano Eduardo Campos ;, diante de levantamentos preliminares dos prejuízos causados pelas fortes tempestades.

O encontro realizado na manhã de ontem no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede provisória do governo federal, foi coordenado pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e do Gabinete de Segurança Institucional, Jorge Armando Félix, além da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra. Na ocasião, foi anunciado que as pessoas afetadas pelas enchentes também serão auxiliadas por 400 agentes da Força Nacional de Segurança. Os homens estão aquartelados esperando que os governadores digam o número do efetivo necessário para cada região.

Pacote
Para garantir acesso a alguns locais, o governo está mandando duas pontes móveis para os estados. A ministra Erenice Guerra anunciou, ainda, a remessa de 75 mil cestas básicas contendo alguns itens médicos. Dentro do ;pacote de bondades; do governo federal, está a antecipação dos saques do Bolsa Família. Os valores que, geralmente, só podem ser retirados nos últimos três dias úteis do mês estarão liberados até o fim desta semana. A medida foi anunciada na tarde de ontem, um dia após o governador de Pernambuco ter minimizado a permissão para saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que havia sido anunciada na noite de segunda-feira.

;As chuvas atingiram as regiões mais pobres de uma área que já é a menos favorecida do país. Isso significa que a maioria das pessoas não tem carteira assinada e consegue o sustento somente por meio de subempregos. Essa não é uma medida muito eficiente;, destacou Eduardo Campos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai manter a agenda prevista para esta quarta-feira, quando visita Luziânia (GO) para participar de um evento voltado para a popularização do cinema. Antes, Lula tem um encontro marcado, na capital federal, com o presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.

A ida ao Nordeste deve ocorrer hoje à noite. O presidente dorme em Recife, visita o estado e depois segue para Alagoas. (Igor Silveira)





Ouça entrevista com os ministros Paulo Bernardo (Planejamento), Erenice Guerra (Casa Civil) e Jorge Armando Félix (Gabinete de Segurança Institucional)





; Crédito Extraordinário
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A seca, a cheia e o sonho

Carlos Tavares
Especial para o Correio
Uma mulher aparece diante das câmeras dizendo que os sonhos dela, de seus filhos e de todos ali naquela cidade devastada pelas águas do Rio Paraíba do Meio haviam sido destruídos. Ela chora, desolada, e grita que está tudo acabado. Um homem, adiante, compara o efeito da enchente sobre ruas e casas com um cenário de guerra, cujas bombas imaginárias foram ejetadas pelo fenômeno cósmico da chuva e das cheias que abatem o interior e o meio urbano da Região Nordeste de tempos em tempos. As cenas situam o pavor de um povo desamparado em uma das dez cidades da Zona da Mata alagoana.

É a terra de Graciliano Ramos, o escritor de Caetés, Infância e Memórias do cárcere, três de suas principais obras em que são fartas as citações a Quebrangulo. É a terra do escritor que Antônio Cândido definiu como um artista da palavra que sempre quis ser testemunha do homem e de seu tempo. A mulher desesperada que aparece nas imagens sobre a fúria das águas dos rios Paraíba e Quebrangulinho é a mesma Sinhá Vitória de Vidas secas, que sofre em busca de conforto, comida e educação para os filhos, é a mesma que sonha com farturas e que dá força a Fabiano para prosseguir em sua marcha inútil diante da aspereza da terra, do vazio da caatinga e do desprezo do Estado. E que ainda assim vai sonhando páginas e mais páginas ao longo de uma das pequenas obras-primas da literatura de língua portuguesa.

;A cheia do Paraíba chegou devastadora, matando gente e animais, destruindo plantações e casas.; Essa não é uma frase de notícia de jornal; é o começo da descrição da cheia do Paraíba na visão do narrador de Menino de engenho, do amigo de Mestre Graça, o paraibano José Lins do Rego. Biógrafos de Graciliano afirmam que ele costumava se queixar com Zé Lins do abandono da terra e do povo alagoano em épocas de seca e de cheias. Ficava inconformado com os políticos que prometiam tudo, mas sem inteligência, sem competência para cumprir suas promessas e que só pensavam ;no próprio r;;. Típico de Mestre Graça, famoso pelo seu mau humor. Quando era prefeito de Palmeiras dos Índios ficou conhecido pela forma como respondia às saudações de ;bom-dia; dos funcionários: ;Bom, por quê?;.

Os meninos da rua em que ele morava, em Quebrangulo, morriam de medo do escritor que amava as crianças. Porque Graciliano, simplesmente colocava uma cadeira de balanço na calçada e por ela ninguém passava. Da janela de sua casa dava pra ver o Rio Paraíba do Meio e o Rio Quebrangulinho, se encontrando em seu delta de surpresas para ruminar com os astros mais uma temporada de cheias ou fartura no campo e na mesa de um povo que, a exemplo da família de Fabiano, parece andar ;metido naquele sonho, os meninos na escola, aprendendo coisas difíceis e necessárias, eles velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia; (Vidas secas, página 130).






Cenário que se repete
2003
O verão de 2003 foi marcado pela morte de 92 pessoas em função de temporais no país. Em janeiro daquele ano e em dezembro de 2002, o estado de Minas Gerais foi o mais afetado pelas chuvas, contabilizando 14.398 desalojados, 90 feridos e 45 mortos, em 117 municípios. No Rio, 21 cidades foram afetadas pelos temporais.

2004
Em fevereiro de 2004, o Brasil viveu um cenário de alagamento ; as chuvas atingiram 734 municípios de 16 estados, além do Distrito Federal. O local mais afetado foi Pernambuco, que contabilizou 36 mortos. O estado de São Paulo tambem foi atingido por fortes enchentes e sofreu com 31 mortos.

2005
O estado de calamidade pública foi decretado em 5 de fevereiro de 2005, na cidade de Unaí (MG). Na ocasião, as cheias no Rio Preto e nos ribeirões Areia e Tamboril atingiram quase quatro mil moradores ; 971 desabrigados e três mil desalojados. As chuvas provocaram ainda a morte de uma pessoa e ferimentos graves em 27 habitantes.

2006
Em dezembro de 2006, 16 pessoas morreram por causa das chuvas intensas. Em Minas Gerais, os prejuízos causados pelos temporais somaram cerca de R$ 32,7 milhões, com 2,5 mil pessoas desabrigadas, e outras 4,9 mil desalojadas. Já no Espírito Santo, as chuvas deixaram quase mil pessoas desalojadas.

2007
Em janeiro de 2007, o estado de Minas Gerais sofria com um período chuvoso que havia começado ainda em outubro do ano anterior. Com a temporada de chuvas, 24 pessoas morreram e cerca de 335 mil foram prejudicadas. No período, 110 cidades decretaram estado de emergência, com quase 40 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas.

2008
Quarenta e nove municípios de Santa Catarina sofreram com as chuvas, com mais de 79 mil desabrigados e desalojados, e cerca de 100 mortos. Mais de 1,5 milhão de pessoas foi atingido. Para socorrer a região, a Defesa Civil do estado mobilizou 3.500 homens, entre bombeiros, integrantes das Forças Armadas e voluntários.

2009
No ano passado, uma grande cheia atingiu as regiões Norte e Nordeste. As enchentes afetaram, principalmente, os estados de Maranhão, Ceará, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco e Alagoas. As chuvas deixaram cerca de 180 mil desabrigados ou desalojados e mais de 40 mortos.

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